
Não sei se esta coisa que tanto o pessoal fala acerca da globalização, já não foi inventada há uns séculos atrás com o início das migrações. Se formos a ver os flamingos já fazem isso há muito tempo, ou seja o inverno no quentinho do sul, e o verão com as temperaturas amenas do norte. Se calhar os bichos descobriram os encantos das louras suecas antes que nós...
Mas provavelmente a globalização é um termo demasiado grosseiro para aquilo que se quer definir, e ao contrário daquilo que poderia parecer, um pouco limitado e contingente. No fundo, se pensarmos numa bola, esta por si só já nos delimita um espaço, uma ideia, um conteúdo que fica retido e preso pelas costuras do redondo esférico.
A imagem do universal é mais adequada, mais abrangente, menos limitativa e mais “openminded” para aquilo que se quer expressar.
Mas estou eu para aqui a falar das limitações do raio da pelota, quando a verdadeira virtude é a da uniformização e continuidade da sua única face. De qualquer perspectiva ocular se consegue adivinhar o mesmo prisma de pensamento, de qualquer ângulo se adivinha a mesma curvinha com igual secante e tangente, mas sobretudo quando ela rola, rola sempre para o mesmo lado, e em linha recta!
Tudo o que é pensamento, acto e até omissão, tanto se torna verdadeiro e sacramental para o aborígene australiano, como para o emigrante madeirense na ilha de Jersey. Por ora, e nos tempos que correm, talvez o koala aprenda a beber poncha com sabor a eucalipto, mas no futuro tenho a certeza que será tão natural enfrascar-se com aguardente de cana em Sydney, como fazer concursos de lançamento de bosta de camelo, como fazem nas caledónias, ao fresco clima da Camacha.
A partilha de informação, a troca de cartas e baralho, a volta e contravolta de um mero pensamento, pode fazer com que essa verdade simples e simplista possa ser aceite por um mundo novo, espraiando-se pela bola como chocolate derretido. Se tivermos um bom protocolo de actuação, podemos em teoria replicá-lo até a canseira nos permitir, aqui, ou em qualquer lugar do planeta.
E serão à primeira vista vantagens os modelos adoptados pela via da moda, do marketing ou do simples apego humano por aquilo que é apelativo mas sem consistência? É a globalização mais pela forma que pelo conteúdo?
A implementação mundial do Macdonalds, tem uma base de sucesso na homogeneidade da fórmula; onde quer que se vá, o hambúrguer tem sempre o mesmo sabor, a mesma apresentação, os mesmos molhos, o mesmo logótipo, a mesma solução rápida e prática de “serve-te, embucha, e põe-te a andar”. Em Cabo Verde por exemplo, poderíamos confiar naquela imagem e naquela confecção, mas o surgimento de uma xafarica destas, tem duas vertentes perniciosas a prever: primeiro, a de que os indígenas deixariam de se alimentar da sua dieta local eventualmente mais saudável que a dos gringos, e segundo, que os viajantes deixariam de ter o efeito surpresa da descoberta de novos sabores. Pode nessa altura surgir um híbrido: o McCachupa! E se for muito bom, a empresa pode fotocopiar o modelo e aplicá-lo aos chineses.
Perigos: se todos desatarem a comer estas bombas calóricas em vez da soja e do arroz, a vaca charolesa pode entrar em vias de extinção!
O mundo tende assim a ser uno e compartido à distância, sem revelações, sem surpresas, sem paixões, sem os antagónicos anacronismos da real subtileza da teoria do fole. As referências passam a ser universais, com o perigo de serem ultrapassadas e desconsideradas; as riquezas de cultura de matéria única, algumas com especificidades brilhantes, são capazes de ruir a um mero Mcnugget.
E tudo isto acontece, porque a pressão mundana de uma foto de revista que dá a volta ao mundo em trinta segundos, é maior que um pressuposto básico e centenário de uma cultura relacional de gerações.
Será que nesta homeostasia de conteúdos perfeitos e imperfeitos, na estabilização de extremos possivelmente coadjuvantes ou semelhantes, ou até na intersecção de relacionamentos incomuns e aberrantes, nasce a luzidia e expontânea mistura explosiva de uma nova criação de mais-valia universal?
Não sei...mas para mim nada se compara com uma espetada acompanhada de milho frito, à mesa da Pastelaria Santo António do Estreito!
E que ninguém a globalize se faz favor...!