sexta-feira, 8 de junho de 2012

Destino


Já passava da meia-noite, e naquela estrada ampla só se viam as luzes que pontilhavam a negra paisagem, entrecortada pelos faróis de outros viajantes que vinham do meu próprio destino. O caminho já era longo, e a previsão de chegada também estava longe.

Nestas alturas aproveito para pôr os telefonemas em dia fazendo a viagem em companhia, ou então opto pelo aleatório do moderno iPod, que descarrega as músicas com a imparcialidade fria das máquinas.

Optei pelo cantante, que tão depressa emitia a alegria dos acordes, como a melancolia das baladas que nos fazem sorrir e fixar o traço contínuo do asfalto.

Pequenas luzes intermitentes brilham lá no alto.

Para onde irão aqueles aviões? De onde vêm? Quem levarão lá dentro?

Consigo imaginar o emigrante que vai tentar a sua sorte, a sobrinha que passa férias com a tia do Brasil, o chinês que negoceia fogo-de-artifício, a modelo contratada para uma festa nas arábias, o padre que vai em missão para um qualquer lugar remoto, a madame que compra tudo em Paris, ou até o sobrinho-neto que vai ao funeral da tia-avó.

Quantos milhares de vidas se cruzam e entrecruzam, por encruzilhadas paralelas, e muitas vezes fotocópias umas das outras? Neste preciso segundo que escrevo esta frase e que vocês a lêem, alguém torce um pé, alguém come um bolo, alguém rebola na relva, alguém disserta na teoria do fole, alguém finge que nada acontece no outro lado do mundo.

Afinal não estamos sós!

Por isso é tão difícil inovar. Porque alguém já pensou nisto antes, ou melhor, está a pensar neste momento!

Somos tantos a pensar que até me espanta como há pessoas que conseguem inovar sem renovar, romper com o pensamento circular e fechado, permitindo-se ver mais além. São com certeza elementos com uma visão não redutora ao nível da terra. Imaginar-se ave e elevar o ponto de visão da terra para o céu como se a sobrevoássemos, é um exercício que todos podemos e devemos fazer. Temos mais amplitude, maior visão global e uma maior previsão dos movimentos.

É como ver um jogo de futebol da linha lateral ou vê-lo do terceiro anel. No primeiro somos próximos, mas redutores e com pouca abrangência. Nos segundos, temos uma noção exacta e um filme corrido daquilo que discorre na fita da vida.

Este é por isso um grande exercício a praticar em todos os momentos. Não focalizamos o problema ou obstáculo, mas vemos para lá da cerca e distribuímos a perspectiva, podendo até nos comparar a outros na mesma situação, e que se situem nas nossas antípodas geográficas.

Passei agora a portagem, e o revisor trouxe-me de volta aos meus pensamentos mecanizados.

Parar, ticket, pagar, receber cartão de volta, prendê-lo entre dentes, meter primeira, acelerar e entrar de novo na via do pensamento distractivo.

Este caminho asfaltado tem uma meta e um alcance definido, mas o nosso próprio caminho tem tantas vicissitudes e interlúdios que dependem bastas vezes de pequenos pormenores. Se eu me atrasar três segundos posso não apanhar o comboio daquela paixão, mas posso no mesmo timing embarcar num amor infeliz. O empenho e a vontade têm marcante preponderância no nosso rumo, mas o acaso das coisas troca as linhas tal como nos caminhos-de-ferro as mudanças de agulhas definem os apeadeiros e as estações de chegada.

No outro dia vinha a atravessar a rua e parei a olhar para trás, porque senti que alguém me chamava em surdina. Nessa fracção de tempo retomei a marcha e não fui apanhado por um Toyota, porque aquela voz me segurou um milésimo de segundo. Sorte? Adivinhança? Premonição? Ou apenas Destino?

Quem sabe...?

Entrei na recta final da minha viagem programada! Esta discorreu sem percalços e sem contratempos de percurso, graças também aos acasos dos outros caminhos que não se impuseram ao meu.
Estacionei, puxei o travão de mão, desliguei o motor e fiquei uns segundos recostado, a imaginar de como seria a vida em amarelo!

Chego à conclusão que ela é maravilhosa, às cores e ao vivo...