quarta-feira, 26 de agosto de 2009

"O Zé do Circo"

Sempre que saia de casa levava duas chaves, para o caso de se esquecer de uma no regresso. Morava na rua por detrás do castelo, num primeiro andar de um prédio antigo, fazendo porta com porta à farmácia do Sr. Arlindo, que vendia unguentos, banha da cobra e supositórios para o elefante do circo Marcellena.

Ao passar a ombreira da porta, fazia como os jogadores da bola, ajoelhando-se sobre a calçada e fazendo o sinal da cruz com um beijo no fim. Passava pela botica atirando a velha piada para o interior: “Bom dia Sr. Arlindo, então já o promoveram a comprimido?” E lá fugia ele saudando as jovens moçoilas dependuradas nos beirais, que vigiavam os maganos passeantes e lhes tiravam as medidas pelos contornos.

A véspera tinha-lhe corrido de feição, e a conquista da noite tinha sido uma sueca que conheceu numa loja de venda de galos de barcelos em porcelana. Naquele momento tinha feito um brilharete, ao lhe sugerir que os galitos fossem substituídos pela vaca cornélia, uma vez que as marcas russas já tinham contratado os pintainhos do vale da pinta, para mugirem em coro à passagem do tufão Heloísa.

Almoçaram na tasca do Humberto, que é primo da Celeste da mercearia e cunhado do boticas que lixa o elefante, tendo ido passear para o quinto monte a contar da primeira laranjeira do Sr.João. Ali, os ares não eram calorosos nem baforentos, mas a sueca habituada apenas a tiritar de frio com temperaturas inferiores a 20 graus, quis ficar como veio ao mundo, enquanto Zé só lhe dava tempo a ficar ridiculamente com as calças pelos tornozelos, ao mesmo tempo que corria com passinhos de pinguim acelerado.
Um tubérculo de couves australianas que brotava do chão, foi a lomba assassina para o coitado do Zé, que já tinha batido o recorde do pinguim mor do pólo sul.
Um piparote no ar, meio mortal encarpado à frente, e um belo dum bate-cu esfolando o dito cujo, assentando os respectivos berlindes no único tufo de urtigas num raio de 203 metros! A confusão aumentou ao tentar explicar no seu eslavo mais puro, que tinha “los tomates de fuego”, tendo a sueca percebido “too much fuego”, pelo que ainda mais enalteceu a sua índole de mulher viagrana.

Como a tumefacção local não passava devido ao efeito do tufo, foram até ao centro de saúde da Ramada, onde a primeira pergunta da enfermeira robusta e com buço, foi a de se tinha o cartão de utente: “Sem cartão ninguém é aviado aqui!”.

O médico, que também era primo afastado da cunhada do padrinho do Zé, examinou os ditos como quem apalpa peras maduras no mercado, e até parece que lhes media o peso com as mãos, enquanto mirava a alva sueca e a imaginava a aplicar certeiramente a teoria do fole nessa situação.
Diagnóstico peremptório: edema bilateral do escroto!

- “Ai, meu Deus! (se é que Deus é para aqui chamado nestas coisas mundanas e impuras..); E isso é grave doutor!?”
- “Nãaaao!” Tranquilizou-o, ao mesmo tempo que com um gesto o mandava compor.
- “Isso com uns remédios desincha logo.” “Mas já sabe...”e aproximou-se-lhe ao ouvido em surdina: “o batalhão de apoio à bazuca vai ter de descansar estes dias...”

À saída cumprimentaram a matrafona da enfermeira, que ouvia a telenovela na rádio por detrás do balcão, tendo esta logo ripostado:
- “Que não se lhe olvide de me trazer o cartão, senão frito-lhe os ditos!”

Que vida a de um homem...ontem capaz e agora quase capado!

Depois de deixar a nórdica na finíssima pensão “Três estrelas”, subiu a rua pela sombra, em marcha lenta devido ao volume dos contrapesos, com as pernas escanchadas para que o ar lhe circulasse nos entremeios, tendo entrado pesaroso na farmácia sussurrando em decrescendo:

- “Sr.Arlindo, arranje-me aí um quarto do supositório do elefante se faz favor...”

E pronto! Ainda hoje o grande Zé é conhecido como o “Zé do Circo”...

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