domingo, 7 de abril de 2013

O "Arranca-Sorrisos"


Pessoas assim ficam na memória e no coração. Por isso nunca serão nome de rua, nem de praça, nem sequer constarão nos livros. O coração apaga rápido aquilo que mais ama e só se imortaliza na lápide. Uma frase, um poema, um pensamento, um acto, resumem uma vida cheia de mudos sorrisos.

Era assim que o conheciam e era assim que se sabia a fazer o melhor.

Nascera naquela aldeia perdida em nenhures, rodeada de fronteiras naturais que isolam as pessoas e atrasam tudo o que se manda e tudo o que se recebe. Sem saber ler nem escrever, sabia mais que os outros que o sabiam, e por este dom era reconhecido, mesmo além daquelas linhas mudas.

Irradiava uma luz e alegria tão serenas, que naturalmente contagiava. Tinha sempre uma palavra, um apreço e um toque de alma aos outros, devolvido em francos e abertos sorrisos.
Por isto lhe chamavam o "Arranca-Sorrisos"!

Ninguém estava nunca triste, porque os sorrisos eram espontaneamente despoletados e contagiavam-se uns aos outros.
Uma flor oferecida a um coração partido, sacava um sorriso simples. Uma vénia com a cabeça até ao chão dava direito a um sorriso surpreso. E um nariz vermelho com cabeleira roxa, resultava em sorriso-gargalhada na certa.

Vivia assim o seu dia-a-dia pela aldeia, arrancando sorrisos aqui e acolá, tornando a aldeia na mais feliz do mundo.

Como se isto de felicidade fosse coisa eterna, porque ninguém é feliz sempre. Se a felicidade fosse residente, como lhe saberíamos dar valor?
O meu primo José contou-me uma vez, que já tinha sido feliz na França, onde conhecera uma corista de alto gabarito que lhe trouxe tanta felicidade quanto a conta bancária que a ladra lhe mangou. Por isso anda agora a pedir esmola pela aldeia, vendendo teorias do fole a quem compra, confortando-se com "Arranca-Sorrisos" aqui e acolá, quando ele aparece.

Uma vez houve, que até uma reportagem fizeram do "Arranca-Sorrisos"! Um homem alto, bem-parecido, chapéu sempre pronto a levantar-se num cumprimento, sorria ele próprio sempre.

-bom dia menina Teresa! Já vi que os seus olhos hoje reluzem como estrelas cintilantes!
E logo sacava o primeiro sorriso incontido da manhã.

-boa tarde Dona Júlia! Dizia, sacando uma rosa do casaco para a presentear e um rasgado sorriso acatar.

A sua jorna deixava um rasto brilhante de boa disposição e contentamento tal, que nunca se via ninguém ao fim do dia sem um sorriso nos lábios.

Num desses dias de sempre, e no acaso de virar uma qualquer esquina, encontrou uma menina que chorava desalmadamente - se é que as almas se conseguem alguma vez desalmar..- sendo que prontamente sacou de um peluche e o estendeu no seu colo fazendo uma careta alegre.

Mas para surpresa do "Arranca-Sorrisos", a menina continuou a chorar e nada a fazia parar. Assustado, correu e embateu num rapaz que suspirava e choramingava por uma bola de gelado que se tinha despenhado do seu cone em plena avenida central.
Ainda fez uma pirueta a ver se arrancava um sorriso, mas os olhos do rapaz fitavam a bola de baunilha que se esparramava lentamente.

Olhou mais à frente e reparou que um homem de gabardina escura, ar soturno e fácies cinzento, chorava em silêncio. Caminhava pesaroso, e ao mesmo tempo que se cruzava com outros transeuntes, fazia com que estes chorassem em bica deixando um rasto de tristeza e choro convulsivo.
Ali estava o trilho de infelicidade que tinha vindo da outra aldeia da província. Conheciam-no como o "Arranca-Choro", e não havia quem conseguisse estancar tamanha fatalidade.

Nunca tinha visto ninguém assim desde a última enchente de lágrimas que inundou o vale dos jasmins!
Aproximou-se lentamente para falar com essa estranha personagem, mas com o cuidado de nunca aos olhos lhe olhar. Se é que é possível falar com alguém sem aos olhos a olhar...

Enquanto deslizava pé ante pé, resvalou numa casca de banana, os pés ergueram-se mais que a cabeça, e catrapús de glúteos no chão. O cenário foi tão ridículo, que "Arranca-Choros" olhou e até um ligeiro esgar de sorriso esboçou, o que muito surpreendeu "Arranca-Sorrisos".

Levantou-se num ápice, e desta feita saltou de propósito para cima da casca de banana dando mais três voltaretas até se estatelar no chão.
"Arranca-Choros" desbloqueou um grande sorriso, e a sua mímica era de descontracção e relaxamento.

Percebendo o clique da sua antítese, começou a fazer tanta palhaçada, tanta palhaçada, que ao cabo de uns quinze minutos estavam os dois a rebolar de rir às gargalhadas.

Aquele coração de pedra tinha sido conquistado pela alegria dos sorrisos. Aquele sorumbático homem tinha ganho asas no deleite do riso!

Abraçaram-se os dois de uma maneia tão intensa, que "Arranca-choros" nunca mais chorou. Nunca mais soube o que é a infelicidade, nunca mais se amargurou, nunca mais viu a vida com um filtro de cinzento. Do mal tinha surgido o bem.

Desde esse então a aldeia passou a contar, não com um, mas sim com dois "Arranca-Sorrisos", que iluminavam as faces e os corações dos seus habitantes.

Nunca se soube se neste sítio correram lágrimas alimentando os rios, mas também nunca mais se ouviram choros, tristezas ou lamúrias.

Assim é o poder do Sorriso...