segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Bandeiras e Fronteiras


O estudo da história e das civilizações antigas traz-nos muitos ensinamentos e lições que fazem eco nas atitudes de hoje. Tudo se repete e tudo se volta a desenrolar num pressuposto de tábua rasa, mas que efectivamente é a cópia de alguma revolução fascista ou comunista que algures explodiu num qualquer canto do mundo.

Tudo porque a essência do homem é a mesma, com os seus egos, as suas traições, desejos de poder, de glória, de manipular o futuro, como se ganhar e perder com pessoas fosse um jogo de tabuleiro, onde saltar peças e comê-las se transforma num atropelo corriqueiro dos direitos humanos.
E se há verdades insofismáveis que perduram centenas de anos, há outras que pelo seu pouco valor intrínseco se perdem na inconsistência da sua existência, existindo ainda  as que evoluem dentro de uma génese matricial forte e duradoura.

Mas neste processo de fazer história, depreende-se que cada passo seguinte é num sentido ascendente das mais variadas vertentes sociais e humanas, que a cada passo que o homem avança se dignifica a pessoa e o grupo. Por isso começaram a aparecer os sistemas democráticos de gestão de comunidade, como sendo os sistemas mais equilibrados com a heterogeneidade dos homens que a constituem. E isso foi conseguido à custa de um papel cada vez mais importante do individual relativamente ao colectivo, o que visto de longe, se aproxima em teoria daquilo que será o mais justo e equitativo.

Na sociedade actual, o nível da democracia é directamente proporcional ao grau de exigência dos seus cidadãos. Se lutarem pelas suas convicções e as suas causas, encontrarão eco e ganharão relevância numa democracia sã, que lhes dará o espaço necessário para as aplicar.

O que hoje vemos na Catalunha é o reflexo dessa maturidade(?), de uma democracia que demorou décadas a construir no seio de uma Espanha que ganhou o seu caminho próprio, levantando o orgulho ferido de uma ainda memória recente da dura ditadura Franquista. Uma batalha que reconhecemos poder ser decalcada de um outro momento determinante nesta história dos poderes. 
Uma intenção que avançou como quem tira um bilhete de autocarro, anunciando simplesmente uma declaração que presumo eu não imaginaria as suas verdadeiras repercussões. 
Independentemente dos excessos que tenham sido cometidos e da violência sempre de condenar, o que aconteceu na Catalunha foi o eclodir do desconforto sentido por alguns, da apatia de muitos, e do aproveitamento enviesado de algumas personagens com perfis de líder. É nesta exploração e gestão dos humores individuais que reside a motivação de uma região que já tem identidade e características próprias, mas que questionamos ser suficiente para a sua própria afirmação.

Ao longo da sua existência, esteve sob as bandeiras e os caprichos de gregos, cartagineses, romanos, visigodos, árabes, franceses, espanhóis, e todos eles reclamaram hegemonia própria. Não sejamos redutores o suficiente para afirmar que um país se constrói porque tem uma bandeira, um idioma ou uma fronteira com mais de x anos. Pode começar por aí, mas todo o processo tem de ser guiado com sabedoria e engenho político. Estas revoluções em democracias consolidadas, não podem nunca ser intempestivas nem disruptivas, porque criam uma tal instabilidade e uma perturbação daquilo que é um quotidiano diria eu sereno, que colocam todos os intervenientes e as suas populações numa posição de levianos extremismos. E a partir daqui é muito fácil resvalar para o caos e para as intransigências sob o chapéu da argumentação da liberdade e convicção dos povos.

Respeito obviamente as vontades das pessoas, e provavelmente por ignorância não percebo este afunilar de decisão numa independência abrupta e mal preparada. Concebo que a Catalunha tenha em perspectiva um futuro sob desígnio próprio, se assim for o desejo da sua maioria, mas também compreendo uma Espanha que vê uma disrupção da sua identidade comum. Às duas partes se pede diálogo e abertura de mentalidades, para que se percebam quais os verdadeiros interesses e vontades das pessoas e não se esgrimam bandeiras políticas que bastas vezes são ocas daquilo que é a vida no dia-a-dia. Colocam-se desnecessariamente irmãos em disputa, famílias em conflito, empresas em pânico, alimentam-se inseguranças, deflagram atritos que nunca existiram à mesma mesa de casa. Abriram-se feridas nesta sociedade que com muita dificuldade irão sarar, e desconhecemos quais as suas reais consequências num futuro próximo.

E talvez mais abrangente que isto, é que a Europa se ressente destes esgares de regionalismo, na medida em que a própria Europa se tenta reerguer sob uma batuta de unificação e uniformização, mantendo as diferenças e identidades locais e resistindo a afogar-se num contexto de globalização mundial.

As revoluções do mundo moderno não podem ser geoestratégicas ou políticas, e muito menos de afirmação masturbatória. Têm de ser revoluções sociais e humanitárias, que movam consciências e consolidem aquilo que de mais valioso temos:o Planeta e o Homem.


Por esta ordem…