segunda-feira, 14 de novembro de 2016

20 Euro 16


Prometi que chegaríamos de manhã, mas a noite anterior foi dura e só nos permitiu chegar depois de preparar os miúdos e retemperar forças com um almoço ligeiro. O dia estava fenomenal, o verão exibia-se no seu melhor, e corria electricidade no ar, numa comunhão que a pouco e pouco crescia em onda positiva. Bandeiras, cachecóis, cânticos e camisas da selecção, davam power a uma festa que antevíamos renhida.

Estávamos no aniversário da Sofia, que celebrámos na costa junto dos amigos, e assistimos ao jogo no bar de praia, já em paródia. Lembro-me que tínhamos uma mesa de dúzia e meia de franceses mesmo ao lado, pelo que se manteve uma picardia saudável durante todo o jogo.

Para começar, o nosso hino cantado de pé e com alma, logo desafiado pela marselhesa em tons mais suaves e menos testosterónico. Começamos bem, entrosamos, e estávamos a dar réplica a uma equipa que jogava com todos os trunfos em casa! O balde de água fria aconteceu quando o grande Cristiano Ronaldo sofreu uma entrada duríssima e teve de ser substituído! Que frustração para o nosso melhor jogador de todos os tempos em sair lesionado! Em não poder ajudar a equipa a vencer!! Ali, pensei que estava tudo comprometido. Os gauleses ganharam fôlego e começaram a dominar, quer em campo quer na cerveja bebida. Mas a malta não desiste e entoa cantares bélicos e clubísticos, bem como músicas do Clemente, Àgata e Trio Odemira, enquanto se roem as unhas de nervoso.
Perdemos a nossa estrela, mas o resto da equipa joga em clubes mundiais, caramba!!

Chegado o intervalo, metade da mesa de crianças e mulheres já não sentia a vibração da vitória e entretinha-se com banalidades desinteressadas do jogo. Foram quinze minutos a tentar superar aquele folhetim de tensão, convictos que a França também não tinha feito ainda nada para merecer ter golos. Levantar, espreguiçar as pernas e acelerar a imperial pedida ao balcão, antes que as equipas voltem ao relvado.

Curiosamente foi na entrada da segunda parte que tive a certeza que íamos ganhar! Ver o nosso capitão com a energia redobrada e a incentivar os seus colegas para dentro de campo era algo que mostrava a raça lusitana! Os nossos heróis davam luta e de certeza que tinham lido a teoria do fole no intervalo!

Aguenta, aguenta........Prolongamento!!! Até já nos via a ganhar os penaltis!

Que nervos, que emoção, bola à barra!! O semblante francês já não tem a confiança do início!
Vamos embora!!!

O nosso treinador da altura, Fernando Santos, tinha feito algumas substituições e a última tinha sido a entrada do sempre azarado e coxo do Éder! Mas ao contrário das outras vezes, senti que vinha com ganas e um querer fora do vulgar. Primeiro uma cabeçada em cheio que levava selo de baliza, mas quando já todos estávamos em silêncio a sofrer, como quem mantém níveis de ansiedade contida, Éder de fora de área saca de um tiro à Eusébio, metendo a bola no cantinho da baliza francesa!!!!!

Gooooooooooolllo!!!

Todo um país saltou!

Ainda hoje me lembro da sensação de alegria  que senti. Parecia que algo explodia do meu peito e umas molas nas pernas impulsionaram-me num salto quase tão atlético como o do Ronaldo! Que bomba!! Campeões da Europa!!!!! F#3”*%$!!!
Vou dizer outra vez: Campeões da Europa!!!

Depois disso já fomos outra vez Campeões várias vezes, mas nunca como esta em que todo um povo sofreu, em que todos os emigrantes sofreram, em que todas as nossas ex-colónias sofreram e rejubilaram de alegria por essa vitória. Sabe tão bem ganhar e levanta a moral de uma maneira tão positiva, que Portugal mereceu.

Passamos a fase de grupos com três empates e foi a partir daí que me convenci da vitória. Diziam que jogávamos mal, sem garra, sem futebol bonito, mas era tudo inveja de não apreciar a organização, o rigor, o espírito de equipa, a vontade de ganhar com inteligência. Para mim o exemplo mais marcante e determinante nesse caminho foi a vitória sobre a Hungria. A força que tivemos para empatar três vezes, quando estivemos a perder por três vezes no mesmo jogo, é de valor!! A rotação dos jogadores, a confiança do treinador, a serenidade de toda a equipa. Que fenómeno!

Foi aqui que o país deu a reviravolta mental e começou a acreditar em si, no seu povo, nas suas gentes e nas suas potencialidades.
Já éramos os maiores na simpatia, no trabalho, nos afectos, nos relacionamentos, nas vitórias aqui e ali, mas agora passados trinta anos, somos isso e muito mais.

Sentimos que afinal uma nação é isto. Um conjunto de pessoas que se reúnem em torno de um objectivo, com trabalho, com perseverança, com garra, com resiliência, com patriotismo!

Aquela vitória foi tão empolgante e sofrida, que arrisco dizer ter sido das emoções mais fortes que já tive. Bem sei que de lá pra cá já ganhamos três vezes o campeonato da Europa e duas o campeonato do mundo, mas aquela primeira vez foi mesmo emocionante. Dizem que a primeira vez é sempre especial e aquela foi! Trinta anos depois e mesmo assim aquela foi a vitória mais marcante.

Mas a final daquele longínquo Euro 2016 foi mesmo memorável! Assim muito à distância, ainda consigo sentir a alegria enorme do momento.

De um momento que se tornou eterno e histórico!

Viva Portugal!!

Viva!