quinta-feira, 17 de setembro de 2015

A Fuga dos Refugiados


Não é apanágio da teoria do fole andar na vanguarda da notícia e do momento, mas esta crónica foi redigida sobre os acontecimentos, o que só por si já lhe confere algum grau de parcialidade e quiçá menor amadurecimento, mas foi o que saiu...

Falo da questão dos refugiados sírios e iraquianos. Se nos detivermos na imagem do refugiado, ele transporta-nos de imediato a um imaginário distante no tempo e no espaço. Algo que ocorre no quotidiano cíclico de um qualquer país pobre e conturbado, mas que neste momento se encontra nos portões da civilização ocidental, constituindo-se ironicamente como o retorno do boomerang que lançamos às nossas guerras longínquas. 

Não é um problema novo, nem sequer para este velho continente. Basta olharmos para a história, e tudo o que ela nos demonstra, para sabermos que estas migrações por motivos bélicos, políticos, ambientais ou expansionistas irão estar sempre a acontecer.

No entanto, vemos muita indignação, muita raiva, muito sofrimento telepático e muita mobilização até, perante as imagens que todos os dias nos aparecem na televisão.

Causa revolta ver crianças inocentes a chorar, a sofrer pela indefinição do futuro que se estampa naqueles rostos! Causa revolta ver seres humanos acurralados como animais, à espera da esmola de cruzar uma fronteira para um mundo melhor! Causa revolta ver diariamente corpos a boiar e a dar à costa, enquanto jantamos confortavelmente nas nossas casas! Estas pessoas fogem dos horrores da guerra, da morte, da fome, da perseguição, em busca de uma esperança, de uma oportunidade. Apenas uma oportunidade...

Tudo isto causa revolta, mas não causa a revolução necessária!

Não desperta consciências profundas, reflexões ponderadas e uma análise fundamentada sobre um grave problema mundial. Os intelectuais e pensadores recolhem-se numa espécie de autismo selectivo. O jornalismo sensacionalista e bacoco, também não permite que a opinião pública reaja de forma construtiva e pró activa. As redes sociais espalham como uma labareda, tudo quanto é imagem ou "facto" bipolar, extremando cada vez mais facções e alimentando muitos fantasmas desconhecidos e medos acocorados no subconsciente. Os políticos fracos de ideologia e submissos à malha dos barómetros de sondagens, andam à deriva de soluções imediatas e sem plano traçado para um problema que não tem fim. Ainda assim, as instituições são as que respondem de uma forma mais racional e honesta perante tudo, talvez porque tenham menos compromissos de agenda...

A questão síria, iraquiana, líbia, afegã, curda, etc, não apareceu agora! Já existe há muito tempo, e foi despoletada pelo ocidente. 
Pelos nossos governantes, pelos nossos políticos, pelos nossos jornalistas, que teimam em moldar o mundo à sua maneira. Que insistem em brincar aos mapas geopolíticos, como quem mexe peças de um tabuleiro de um jogo de mesa. É dado adquirido que qualquer intervenção por mínima que seja ou qualquer mudança drástica, tem consequências imprevisíveis e causa um efeito bola de neve. As mudanças abruptas nas sociedades têm sempre um risco enorme, sendo potenciais geradoras de desigualdades e conflitos que causam muito sofrimento. 

Condeno evidentemente as ditaduras, mas as tiranias abruptamente cessadas das figuras de Saddam Hussein, de Kadaffi, de Mubarak e mesmo as de Bashar al-Assad(?) terão criado mudanças melhores? Não! Criaram uma tal instabilidade, que culminou numa terra sem lei e sem comando.

Não, também não devemos baixar os braços nem deixar de intervir, mas criativamente tentar estabelecer uma cruzada pacífica e de longo termo para assim gerar rupturas progressivas e adaptativas.

O ser humano é por instinto reactivo, e nunca pró activo, pelo que estas "ondas" de refugiados fazem brotar areias movediças nas relações entre povos. Estamos num perigoso e primitivo caminho de reacender as chamas de xenofobia e discriminação, sendo esta uma batalha que forçosamente tem que ser ganha pelos exemplos positivos que demonstramos.

Dissequemos uma das imagens mais marcantes desta história recente: Alguém se lembra da fotografia do corpo do menino refugiado, inerte na praia? Aylan Kurdi de seu nome. 3 anos de idade...
É uma imagem fortíssima, que não nos deixa palavras nem para a descrever, mas atrevo-me a perguntar: E se a criança não fosse "branca"? E se não tivesse roupas ocidentais como as dos nossos filhos teria o mesmo impacto? E que posição tão frágil, desamparada e de abandono..! E que dizer da simbólica passividade do polícia que não tem o instinto imediato de colher a criança!?E quando a recolhe, não lhe dá "colo", transportando-a como um tabuleiro! E quantos tiveram e continuam a ter o mesmo destino...

É de facto uma foto impactante, marcante, que causa comoção e nos indigna de uma forma incrível pelos sentimentos que gera... Há tantas interpretações e análises subliminares nesta fracção de segundo, que quase já adivinho que seja a foto do ano.

Ninguém pode ficar indiferente a estas tragédias, e acredito que saibamos ser melhores a cada dia que passa e à medida que nos formos apercebendo das necessidades do nosso próximo. É inconcebível que o ocidente não se entenda, que os EUA se mantenham alheados, que os países árabes ricos assobiem para o alto.

Ao mesmo tempo percebo o desnorte e o desespero da Europa! 
Uma Europa que nunca na vida esteve unida, não pode ter a expectativa de se unir em redor de uma causa muito conturbadora. Percebo os medos de receber desconhecidos na nossa casa, mas dêmos-lhes pão e intuiremos dos propósitos. Percebo a incerteza de isto ser aproveitado para um cavalo de Troia, mas temos de monitorar de perto aquele que vem de longe, assim como vigiamos os "nossos". É verdade que os terroristas são uma ameaça real e utilizam-se de qualquer facto ardiloso para lançar a tragédia e o pânico. Percebo a pressão que os sistemas sociais irão ter, mas adequemos a resposta diluindo o problema por todos. Percebo o colapso social e económico a que podemos chegar, se não houver bom senso num acolhimento partilhado e envolvente, em vez de um perigoso acantonamento. Não podemos absorver o mundo inteiro neste espaço, por isso percebo a angústia do desconhecido. São momentos imprevisíveis da história...

Mas como utópico que sou, vejo que a Europa tem agora a oportunidade de envolver o mundo inteiro nesta batalha. A oportunidade de fazer jus à sua designação de "União Europeia", dando um exemplo claro de solidariedade e fraternidade, numa resposta incisiva, rápida e unida no acolhimento. Menos discussão e mais acção!

O segundo enfoque, claramente o mais importante, deve ser feito na origem do problema. Tem de haver uma movimentação no sentido de ajudar a resolver os conflitos e as questões na sua origem, no seu país, na sua zona geográfica. É fundamental ter essa coragem!

O exemplo que sair daqui, terá de servir de jurisprudência a todos os outros conflitos mundiais, e cada foco que surgir deverá ter a mesma resposta. Seja no Médio Oriente, seja em África, seja onde fôr!

Para o bem desta humanidade...