sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Ensinemos a ler


Há cerca de dois séculos atrás, houve um médico judeu que criou de raiz um idioma que se propôs a ser estabelecido como língua universalmente falada. Assim se aboliriam os entraves de comunicação entre os vários povos, facilitando a interacção, os cruzamentos e um melhor relacionamento entre sociedades. O Esperanto era uma ideia sem dúvida congregadora! Esta ideia da uniformização e junção de pontos comuns, no entanto, pode resultar negativa no sentido em que a criação e a criatividade, ficam necessariamente truncadas da sua própria essência, limitando um pouco esses horizontes de diversidade.
 
Numa perspectiva de liberdade individual e colectiva, não podemos ter todos o mesmo idioma, vestir todos da mesma maneira, ou ter todos a mesma referência religiosa. O que podemos e devemos, é pregar pela diferença como elemento característico e próprio do Eu.
Estou em crer que o verdadeiro cerne da questão centra-se na essência do Homem!

O Homem como animal racional que é, segue no fundo do seu comportamento um modo de acção que podemos definir de animalesco. Animalesco porque é instintivo, impulsivo, conquistador e com um objectivo básico e primário perpetuador da espécie. Mas o homem evoluiu muito, no sentido em que estas características se atenuaram e se contingenciaram com o advento da modernidade. Modernidade com momentos mais ou menos transformadores, mas que ainda sim podemos balizar num espaço temporal de largas centenas de anos.

Hoje temos os princípios universais de não matarás ou não roubarás, como dados adquiridos neste mundo global. Mas será esta uma verdade universal, ou será que alguém despreza por completo todas estas premissas de respeito e saúde social? E se assim é, como é possível que meia dúzia de malucos desatem a disparar e matem pessoas indiscriminadamente, apenas em nome de um Deus, que nem sabem se existe?

São nestas desculpas religiosas, que a maioria das atrocidades se comete.

É a guerra entre cristãos e muçulmanos na Nigéria, entre judeus e muçulmanos no médio oriente, entre xiitas e sunitas no Iraque, entre budistas e muçulmanos no sul da Tailândia, entre católicos e protestantes na Irlanda, entre ortodoxos, católicos e muçulmanos na ex-Jugoslávia, entre budistas e hindus no Sri-Lanka, entre hindus e muçulmanos em Caxemira, e em muitas outras pequenas escalas por esse mundo fora.

Poderiam dizer que estes conflitos se aproveitam do nível muitas vezes básico populacional, mas isso não é puramente verdade, uma vez que temos exemplos nos cinco continentes e todos com níveis assimétricos de literacia, mas num crescendo de violência que nos faz regressar ao início do texto, em que a parte animal do Homem se revela e se manifesta como alegadamente um último reduto de afirmação.

São autênticas barbáries, são autênticos bárbaros, e é necessária uma reflexão profunda, lata e abrangente de todas as variantes que se imiscuem nesta problemática. Os verdadeiros interesses económicos, imperialistas, e de poder, utilizam-se das fragilidades dos indivíduos de uma sociedade que alimenta seres egoístas e ambiciosos de parecer, mas despreocupados de ser.

Ao mesmo tempo é curioso que os meios de comunicação social se deixem enredar nesta trama fácil de alimentar, e de forma indirecta perpetuar sentimentos de revolta, vingança e falsa moralidade. Falo sobretudo nos atentados episódicos de terrorismo, que geram sempre uma onda de legítima indignação e repulsa, mas que resvalam para uma fácil e simplória acusação de grupos que reivindicam ideologias como argumento para os seus próprios actos. Grupos esses que se utilizam de normalmente um argumento ideológico que lhes possa justificar esses covardes ataques. Na maioria das vezes tomam o um pelo todo, e toca de arrasar uma ou outra religião, um ou outro grupo étnico, um ou outro povo muitas vezes sem qualquer responsabilidade.

Confesso que não sou um conhecedor profundo da génese das religiões, mas não conheço nenhuma religião que apregoe a violência, que apregoe a injustiça, que tenha valores contrários à essência humana. O que existe, são pessoas que interpretam a informação da sua religião para a utilizar de acordo com os seus objectivos menos lícitos e mais ambiciosos.

O que de verdade destrói a imagem de qualquer religião são os seus fundamentalistas! É por eles que se cometem as maiores atrocidades, as maiores injustiças e os maiores assassinatos físicos e intelectuais deste planeta.

Concordo que esta questão é tão ampla e multifactorial que é impossível descolá-la de outros interesses e vontades secundárias. Não podemos ser ingénuos e pensar que os fundamentalistas religiosos são os únicos culpados, porque claro que os jogos económicos, a ambição do poder,  os desejos expansionistas, o lucro desmedido, são os factores que no fundo ditam estes movimentos, os alimentam e os promovem para assim atingirem os seus propósitos. É uma grande trama mundial, onde muitos países lucram com este verdadeiro negócio, independentemente de pertencerem ao clube dos ricos ou dos pobres. Por esta razão,  fico perplexo ao ouvir o descaramento de muitos líderes que em tom angélico se pronunciam sobre atrocidades, quando eles próprios têm atitudes semelhantes na sua essência. Na guerra, atacar não é a melhor estratégia para defender. Não há justificação nenhuma para a violência, ponto!

E se é simples pensar nos problemas, difícil é encontrar soluções adequadas. Se marcarmos um epicentro no conflito, não é aí que o teremos de resolver. Temos de pensar de forma muito mais lata e alcançar a periferia dos círculos em redor desse núcleo. A humanidade é muito mais estratosférica do que meia dúzia de loucos e insanos, mas a humanidade é ainda muito iletrada e consequentemente fácil de influenciar. E esta fragilidade é tão flagrante, que chega a ser constrangedor saber que povos inteiros veneram os seus líderes sem escrúpulos, pelo simples facto de que são facilmente manipuláveis.

Estou em crer que é aqui que teremos de agir e executar. Precisamos de construir massa crítica, de chegar a todos, de maneira a que esta multidão influencie o tal epicentro. Estou certo que estas questões apenas sanarão e se contingenciarão, se todos fizermos parte da solução. Eu, tu, ele, nós, vós, eles!

Estas acções terroristas, a guerra, os conflitos, só desaparecerão quando nos preocuparmos em formar melhores pessoas. Quando nos preocuparmos em olhar para o lado e ajudar quem precisa. Quando dermos a todas as crianças as armas da sabedoria, do pensamento livre, dos valores básicos da vida. Não podemos ser todos ricos, mas temos a obrigação de dar a riqueza dos livros a todos. Esta é a verdadeira arma da construção de uma sociedade mais justa e humana. A literacia é a base da civilização!

E quando tivermos o mundo todo por igual, uniformizado no bem, sem olhar a quem, teremos os Homens a discutir os conteúdos sem olhar à forma, pelo que qualquer teoria do fole servirá para partir a outro patamar.
Mais do que darmos acesso à informação, temos de dar capacitação à interpretação e uso dessa mesma informação!

Aí estará a chave do sucesso da humanidade.
Façamos cada um o seu trabalho.

Eu? Já comecei com os meus...

If I go as a Hindu,
I'll meet a Muslim or a Christian,
If I go as a socialist,
I'll meet a capitalist,
If I go as a black man,
I'll meet black men or white men,
But if I go as a human being,
I'll meet only human beings.
Satish Kumar

Um abraço!