sábado, 4 de agosto de 2012

Fado



Não sei se alguém sabe onde, e quando nasceu o fado, mas todos são unânimes em afirmar que ele é a voz do povo. 
Porque dele nasceu, mas sobretudo porque é ele que o canta, e é ele que o faz perdurar nos nossos imaginários perfeitos de recordações.

O povo português tem uma profundidade que o fado espelha bem: a melancolia, a saudade, a jovialidade, o atrevimento, a sofreguidão do sentimento na voz do fadista.
Ainda bem que o mundo reconheceu um património que é nosso, mas que de tão humano que é, passa a ser da própria humanidade que o acarinha.

Os patrimónios imateriais são designados, porque protegem e muitas vezes blindam as ameaças ao próprio produto original. Para além de serem uma forma de divulgação e promoção daquilo que pode ser difundido como género de qualidade e peculiaridade.
Mas o problema é que os nichos de cultura própria, são muitas vezes rodeados e contaminados de uma cultura global e globalizada, que se muitas vezes imprime valor acrescentado, na maioria das situações acarreta uma padronização aculturada daquilo que é corrente e banal. Alguém conhece o vinho do Porto, made in Califórnia?

Será que o fado vai aguentar esta investida universal? Será que se vai sentir ameaçado pela invasão de género depois deste reconhecimento mundial? 

Nos últimos anos têm sido várias as experiências e cruzamentos musicais com outras sonoridades, e de uma forma natural com o flamenco e o tango, géneros também viscerais e profundos. E profundos no sentido de que envolvem não apenas a música, mas sim uma filosofia de vida que lhes serviu de base de sustentação. 

O fado vive-se, respira-se, sente-se e canta-se porque os cantadores e ouvintes têm todas estas premissas nas suas veias. É por esta razão que ainda não se sente ameaçado, porque nunca será pertença de ninguém.

Pode haver fado experimental, fado com orquestra, fado com ritmos latinos, fado com ópera, fado com pop e rock, mas será sempre um fado com sabor a...vestindo-lhe apenas uma jaqueta, como quem se adorna para uma festa de estilo diferente.
O fado só se perderá, se um dia se perder a essência do viver português ou se a nossa vivência se adulterar no conteúdo. Se os macdonalds substituírem as tasquinhas, se as guitarras portuguesas forem electrificadas, se alfama morrer para um condomínio hermético, ou se o petisquinho for comido pelo barbecue.

No outro dia passando pelas ruas estreitas da mouraria, dei com uma gaiata a ouvir Amália no seu cante mais profundo e tocante. Chorava sentida, como uma criança não sabe sentir o chorar da curta vida, porque a mágoa ainda não lhe ensinou.
-porque choras menina?
-porque esta guitarra que toca era do meu avô, porque a minha mãe ouve esta música todos os domingos, porque a canto no restaurante do meu tio, porque as letras são lindas, porque este é o fado da minha vida!

Esta menina é a fachada do que nós somos: construtivamente elaborados na simplicidade!

Façamos um hino ao fado, aos seus compositores, aos seus músicos, aos seus intérpretes, aos seus criadores, porque todos o merecem.
Se ele foi escolhido para património mundial, é porque estes fundamentos assim o justificam e devemos para além de rejubilar com isso, reforçar a sua identidade e replicar o seu âmago, pois assim estaremos a preservar a alma e força como povo.

E para que finalmente a teoria do fole contribua para tal desígnio, aqui fica o mote:
"Que Viva o Fado!"
"Que não troquem nunca as vogais ao Fado!"

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