terça-feira, 4 de agosto de 2009

Relatividade



Será que ser objectivo é uma qualidade inata e absoluta? Por exemplo, se eu afirmar que a chuva é boa, isso pode-se aplicar nas épocas de seca em que o gotejo celestial faz engordar as cerejas, mas se isso se aplicar numa qualquer terrriola de monções, a consideração chega a ser abusiva.

Nunca poderemos dizer que a vaca só dá leite, porque já estaremos a condicionar uma opinião que pode não ser válida amanhã! Será que as vacas do futuro não podem dar cerveja ou sumo de laranja? Nunca o saberemos... e ao dizer isto já nos estamos a encalacrar, porque os “nuncas” de hoje, podem ser os “talvez” do amanhã, ou os “sempres” do futuro. E a teoria do fole nem sempre explica tudo.

Nas verdadeiras assunções científicas, podemos ter alguma certeza de opinião, mas nas certezas de café nunca poderemos querer apostar o joker. Quantas conversas de tasca não tentam impingir ao amigo: “olha, se tu puseres casca de chá de gengibre na vista, nunca mais vais ter problemas com a próscaca!” E pronto, a mensagem passa de bêbado em bêbado, até aparecer nas revista “del corazón”, migrar para as sociedades científicas paranormais, e acabar com um estudo multicêntrico e randomizado, para publicação numa revista de urologia. E viva o método científico!

Apesar de almejarmos a perfeição - e a perfeição quer-se objectiva – teremos sempre que fazer uma adaptação real a aquilo que nos parece verdadeiro e inequívoco. Se eu procedo assim com algo, e se essa é a atitude universal, então esse é o procedimento correcto e universal. Mas por outro lado eu também devo questionar essa essência, e não tomá-la como um dado adquirido. Se esta noção se aplica ao factos neutros ou positivos, o mesmo já não acontece aos infortúnios ou aos azares. Aí, a verdade pode até ser inquestionável, mas a atitude perante a mesma é que tem de ser modificada no sentido de não a objectivar mas sim de a relativizar!

Se furarmos um pneu na estrada, isso é uma verdade absolutíssima! Mas se o relativizarmos e considerarmos que isso não é o mais importante, mas sim o termos estado em segurança, então passaremos a encarar as bandas sonoras da vida como percalços, que nos ajudam a dar valor à essência da nossa condição e do nosso feliz acaso em ter nascido assim.

A semana passada recebemos o Lalai, de 13 anos, vítima de um fogo cruzado no sul. Dois projécteis entraram e saíram a alta velocidade provocando muitos estragos, e um terceiro ficou alojado na anca destruindo-a completamente. Chegara de helicóptero acompanhado pelo pai, que vencera o medo de voar para não perder o filho de vista, perguntando à chegada se seria ali que o curariam...Uma bola de futebol aos pés da maca, completava a ironia de alguém que nunca mais a iria poder chutar. Naqueles impactos, parte daquela infância ficou irremediavelmente perdida, e parte talvez tenha ganho coragem acrescida para a vida.
De repente penso que a relativização aqui faz muito sentido...

A certeza deste destino está traçado e o nosso também, por isso relativizamos e agradecemos a nossa sorte.

Espero que um dia o Francisco também saiba reconhecer a sua fortuna...

3 comentários:

  1. Que bom continuar a "ouvir-te" escrever...
    Beijos.
    Eu.

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  2. 1. Completamente de acordo com a sua teoria sobre o que leva a fazer (como começam) "os estudos multicêntricos e randomizados"; desde o bêbado até à Cochrane Library. Mayor sciencia solo buscando a Google: «Results 1 - 30 of about 5,080 for tasca cochrane. (0.72 seconds)».
    2. «...passaremos a encarar as bandas sonoras da vida como percalços, que nos ajudam a dar valor à essência...». Muito bem e muito bom!
    3. O Lalai e seu Pai fizeram-no pensar e, melhor, escrever o que sente: «a relativização aqui faz muito sentido».
    4. Espero que um dia o Ali também saiba reconhecer a sua fortuna...
    5. Abraço. Virei a conhecê-lo; nem que seja numa das tascas do Google...

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  3. Caro amigAli,
    é com sensibilidade que o fole descreve a "relatividade" dos pensamentos, dos acontecimentos e da fortuna ou falta dela.
    Emocionado, envio-te um abraço de quem gosta de continuar a jantar em tua casa mas que sente a saudade da tua companhia.
    Luís

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