Hoje tivemos a primeira tempestade de areia. Habitualmente as nuvens de pó giram e rodopiam como os bandos de pombos, criando diferentes imagens geométricas no ar. Mas como estas nunca vi. Começa-se a levantar uma leve brisa, o vento começa a ser cada vez mais forte e de repente uma nuvem imensa de pó e detritos invade o ar, não se conseguindo ver um palmo à frente. Faz-me lembrar uma série da minha infância “Espaço 1999”, onde as aterragens lunares faziam sempre uma onda de gases galácticos. Para além disso, a poeirada que entra pelos olhos, pelos ouvidos, e pela boca, se esta estiver aberta, é o equivalente a engolir uma “catrapilha” (caterpillar em madeirense) cheia de areia e brita.
Os grãos acumulam-se em tudo quanto é canto, e a máquina fotográfica guardo-a num cofrezinho quando não está a ser utilizada, para que também não se lhe afecte as juntas. Fica guardada pela trabuca, que repousa sem trabalho no mesmo habitáculo. Como é uma zona de segurança, também já pensei em deixar aqui aquela posta de bacalhau, para um dia fazer um belo “bacalhau au pimpolho”, acompanhado de umas belas batatinhas a murro. Mas não me parece que o aroma fosse o melhor naquelas instalações...
O pó sempre foi um problema para alguns mais desvairados, mas se repetirmos várias vezes a mesma palavra, podemos criar sonâncias e muitas dissonâncias que criam um ambiente de festa: “PópóPóPóPópópó”. E se repararem, podemos simplesmente cambiar de vogal para que a variância sonora fique diferente. Imaginem o que seria ir pela rua trauteando “PipiPiPiPipipi”! Na primeira pensariam, “vem aí um camião!”, e na segunda imaginavam que seria a belle Dominique e seu transformismo, a conduzir o mesmo camião...
Eu no fundo, também não percebo de onde vem tanto pó nesta terra. Estamos aqui a 1900 metros de altitude, e ainda assim rodeados de montanhas, que parecem os pais destas onde estamos assentes. No fundo, esta imagem alegórica será como um penico no topo de um monte de terra, onde as paredes constituem as montanhas à volta, e nós seremos o fundo do vaso impoluto que recebe a poeirada. Ainda olho para o céu de vez em quando para ver se avisto um vulgo traseiro assentar nesta bacia imaginária...em vão (e ainda bem!).
É por esta forma espacial de organização geográfica do campo, que eu acho que o pó em circulação nestas tempestades é sempre o mesmo. Às vezes até consigo imaginar os grãos em alta velocidade a gritar uns com os outros:
- “Ó sr.grão, parece-me que já nos cruzámos na última tempestade de areia...”
-“Pois foi, eu até passei por si naquela última volta à pista, e consegui entrar no carburador do jipe dos portugas. O problema é que eles traziam um tal de “grão vasco”, que me deixou um pouco zonzo...”
E a teoria do fole explica isto muito bem: se ao sairmos do duche entrarmos numa tempestade de areia em Cabul, com certeza sairemos como um croquete. Ou com sorte, como um pastelinho de belém polvilhado de canela, com areia até nos regos e contra-regos!
Mas este pó não se compara com o nosso. Na última reunião internacional - numa desavença argumental que não interessa para o caso - o nosso representante vendo que a batalha estava perdida, expressou-se vernaculamente desabafando com o adversário um sonoro : “Pó car...!”, e saiu triunfante da sala.
Dito e feito! Os representantes, embora não entendendo o sentido literal das palavras, captaram o gesto muito ilustrativo, e deram por encerrada a sessão...
E viva o pó nacional!
Amigo, que pó é que cheiraste para escrever isto?
ResponderEliminar