quinta-feira, 13 de agosto de 2009
Que Verões
Assim que o avião descolava do Funchal em direcção ao Porto, levantava-me à casa de banho para sorrateiramente roubar sabonetes e toalhetes refrescantes. Aquela satisfação secreta de poder encher os bolsos de um acessório que na altura podia ser considerado um gadget, contrastava com o incómodo e vaidade, das sapatilhas novas que sempre inauguravam as férias de verão. A única excepção era o meu irmão que usava umas botas ortopédicas pois diziam que tinha o “pé chato”...
À chegada, lembro-me que invariavelmente contávamos os volumes para confirmar se algum larápio de aeroporto não teria desviado os nossos pertences, e na saída lá estavam os primos da Vila da Feira, os meus Tios e Primos de Espanha, e algum que outro familiar de ocasião que já “nã via o Alípio há tantos anos”.
A minha avó estacionava bagagens em casa dos primos da Feira, e íamos sempre almoçar num restaurante de um conhecido-amigo-sócio do primo Rui, onde de facto comíamos que nem uns abades, e de onde levávamos uns ricos folares da feira.
Com os carros sempre vigiados, pois as matrículas espanholas podiam chamar a vontade alheia, lá metíamos viagem em direcção à terra da minha outra avó. Lembro-me daquela odisseia de horas de viagem no antigo Peugeot do Tio Isauro, muitas vezes sob um calor tórrido e sem ar condicionado (luxos da nova modernidade, que me põem sempre fanhoso...).
Largávamos à estrada: Gaia, Porto (sem o ver), Vila do Conde, Póvoa, Esposende, Viana (com a sua ponte única, com uma curva e contracurva nos dois extremos...!), Moledo, Caminha, Vila Nova da Cerveira, Valença... Ainda hoje quando por aqui passo, sorrio sozinho e abro a janela do carro, inspirando fundo para conseguir sorver um pouco daquele passado.
Atravessávamos a fronteira por uma ponte de ferro em jaula, onde no fim estava o escudo da bandeira espanhola. Cantávamos em coro no carro “Eh Viva Espanha”, passando o controlo da Guardia Civil e seus penicos na cabeça. A partir daí era Tui, Porrino, a subida de Puxeiros, e ao descer a colina lá apareciam as luzes dos edifícios de Vigo. Tinham começado as férias grandes!
A casa da minha avó ficava no bairro do Castanho, e era a liberdade total! Juntávamo-nos os primos e lutávamos contra os do bairro da Salgueira, construíamos cabanas multiusos, fazíamos explodir garrafas de spray em fogueiras, desencantávamos corridas de bólides pela encosta abaixo - onde muitas vezes o travão, eram vários montes de terra cientificamente alinhados ao fim da pista!
De manhã saímos com os meus pais, no magnífico Seat 600, (ou “La Pótita” como carinhosamente lhe chamávamos), em direcção à praia de Samil. Na altura, a água gelada não a sentíamos como hoje, ficando lá dentro apanhando as ondas, até que os dedos ficassem velhinhos e enrugados. O sol não queimava, e não havia campanhas contra o coitado do astro-rei.
O regresso para o almoço era tarde, e lembro-me que comíamos numa mesa onde sempre cabia mais um. As tortilhas, as empanadas, a ensaladilla, os pimientos de pádron, o pulpo a la féria, os callos de la Abuela Hermínia, a Mirinda, os polos de laranja, as pastilhas elásticas do bar da dona Rosa...
À tarde víamos uma série de dibujos na hora de mais calor, bebíamos o leite com ColaCao e untávamos o “pan de barra” com Nocilla, para de seguida largarmos as energias pelos campos fora até o sol mirrar.
Quando comecei a escrever esta crónica, as memórias saltavam-me do passado para o presente com uma rapidez e lucidez tão grandes, que as teclas não conseguiam acompanhar.
Dá quase para um livro! Fecho os olhos, revejo, sinto, cheiro, toco e alegro-me com os pequenos momentos que vivi. Pequenos a esta vista, mas agora imensos e cheios de plenitude, de uma alegria que é só minha!
Esta nem a teoria do fole explica...
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
...e as sessões de magia em que o Jose Ignacio saia de dentro do frigorifico e até as bonecas pagavam? e o salvamento dos gatos afogados pela vizinha? e o "Verano Azul"? e as noites nas escadas da casa da Avo Herminia, à conversa? e as guerras de "turrones"? Escreve um livro Mikito, por favor.... os livros dos 5 são pobres comparando com tudo isto.
ResponderEliminarEi, essa alegria também é minha...
ResponderEliminarolá tio, adorei ler este seu texto. Acho que foi muito interessante e que as suas férias eram divertidas, alegres e diferentes. Também ando a gostar muito das minhas: nos primeiros dias fui para o Algarve com a avó Dete, depois vim para Lisboa e de seguida parti para o Alentejo com a Joana Neves. Pouco depois regressei a Lisboa e agora vou partir novamente para o Algarve com os pais, com a Kika e com a Carlota, pois o António já lá está.
ResponderEliminarBeijinhos da Leonor
Olá tio. O seu texto está muito bom, a falar nisso eu também fui ao campo do tio Isauro, apanhei pimentos de padrón, tomates, maçãs, ovos, alfaces, couves e feijão verde.
ResponderEliminarE o que eu gosto mais nas férias é de me juntar com a família e festejar o seu aniverçário
Beijinhos Kika
Ena!!! Que lindo! Essas, apesar de tudo também são histórias do Kiko! Ainda não sabe ler mas vou-lhe contar esta para adormecer...
ResponderEliminarAh!, de tudo o que li a única coisa que posso realmente partilhar (com pena minha) é a água fria... é realmente gelada!
Hasta orita.
Besos.
Yo.
Fixei-me nos pimentos de padrón porque entretanto fiz uma mágica viagem .............
ResponderEliminarnada como um blog para irmos sabendo mais umas coisas desta estimada família de amigos...
ResponderEliminarMemórias que a escrita não consegue acompanhar são sempre as melhores da vida porque não há palavras suficientes para descrever esses momentos armazenados para sempre no hipocampo e na eternidade da alma.
ResponderEliminar