Certa vez numa aula de filosofia, a professora perguntou se alguém queria expor alguma coisa que tivesse aprendido nesse fim de semana. Por acanhamento ou por preguiça ninguém levantou o braço, com excepção do João. Era um dos cools da turma e estava sempre a contar anedotas, pelo que ninguém estranhou o salto para o meio da arena, embora tivessem ficado intrigados com esta súbita vontade em participar da aula.
-A setôra
conhece a perspectiva filosófica do positivismo natural?
A professora,
jovem, de formas opulentas e pele alva, corou até as orelhas flamejantes, só
pelo pensamento imediato de desconhecimento daquilo que João lhe falava.-Hãm...não...não conheço muito a fundo, balbuciou com voz trémula perante uma assistência de sorriso trocista.
O João sorriu, inspirou devagar profundamente, fechou os olhos como se abrisse um
livro mentalmente, e na meia hora seguinte, falou, falou, falou e expôs
uma corrente filosófica assente no amor, na compaixão,
na procura da felicidade presente, no altruísmo, na humildade, na bondade, na
construção, na serenidade, na contemplação, na
alegria de ser, verbalizando um pouco como afinal vivia ele próprio,
num discurso verdadeiramente eloquente e apaixonado.
Nunca
mais me esqueci daquele momento mágico, em que alguém
inventou um desígnio que pode ser seguido por tantos
outros. Até a professora se sentou, embevecida, a beber de tamanha
inspiração inventada.
Garanto
que não procurei no google a palavra Positivismo natural,
mas creio que pode ser uma corrente possível de ser replicada infinitas vezes.
Vivemos demasiado afogados em trabalhos caseiros, que perdemos tempo naquilo
que é essencial: a nossa vida e a vida daqueles a quem queremos
bem, porque se o outro está bem hoje, amanhã
serei eu que estará. O centralismo egoísta
de querer ganhar e vencer tudo, não se coaduna sempre com
disponibilidade para os nossos. O positivista não escolhe nem determina estes
caminhos, mas simplesmente toma outros rumos mais arejados e cheios de boas
ondas.
Podendo
parecer como tal, o positivismo não quer dizer necessariamente apenas a
antítese do negativismo, o reverso da medalha, ou uma hipérbole
do que poderia ser apenas normal. Trata-se de uma forma de estar, em que tudo
aquilo que acontece e se nos depara, é transformado em algo que pode ser
aproveitado, contornado com energia se for lamacento, ou eternizado se for normativo e prazenteiro.
Temos
certo que pessoas com determinados handicaps, têm por
inerência menos oportunidades, mais limitações, e
por isso entram facilmente no negativo. Mas algumas avessam aquilo que pode
parecer um entrave, para renovarem a energia e redobrarem o empenho naquilo que
tocam. Passam a ser positivistas, porque adquirem ganhos que lhes potenciam a
força necessária para se reempenharem noutros
projectos e incursões.
É
desta maneira que o positivismo se destaca mais nas situações
de desgraça ou tragédia. Porque é aí
que ele muitas das vezes tem de actuar. Perante uma destas situações,
em que a zona de conforto se destrói e é invadida por um tsunami devastador, o
positivista reage com uma reorganização posicional e de abordagem
emocional, que naturalmente o reordena para um patamar diferente de bem-estar e
alegria. A perda, a ruína e o impedimento, são
três flagrantes exemplos daquilo que falo como tsunami. Pode-se
concluir que nem tudo o que é desgraça leva um choque à
frente...
E no meio desta amálgama de seres que somos, como adivinhar o perfil do positivista?
Os
sinais exteriores e exteriorizados, são uma boa montra desta corrente.
O
sorriso pode ser interpretado como um bom sinal exterior de positivismo, mas
podemos ser enganados, porque nem sempre um sorriso esconde a atitude proativa.
É uma evidência de boa vontade relativa a, mas não
é suficiente. E muitas vezes pode ser enganador...
O falar
muito, o gesticular muito, dar muitas gargalhadas e ser muito prestável,
também pode encapotar um falso positivista e esconder um doido
desvairado, tendo em conta que o extremo do positivismo também
pode cair no patológico. A mania é o
auge do positivismo, da insanidade e da loucura, que nos pode levar a voar
entre prédios com uma qualquer capa de super-homem, ou a ambicionar
conquistar o mundo com um exército de boa vontade.
O
positivismo também se pode relacionar com o nível
cultural e social onde estamos inseridos. Tenho por certo que níveis
mais elaborados na hierarquia social, possuem mais armas, elementos físicos
e conforto, que lhes permitam eventualmente pensar em ser activos no sentido
positivo. No entanto, também é difícil definir um padrão
de atitudes com as mesmas premissas, porque as relações
humanas são no fundo o factor determinante na construção
das nossas acções positivas e proactivas. E essas são
demasiado complexas para estarem vinculadas a algo material.
Também
é difícil catalogar os positivistas e agrupá-los
em sectores. Os que nascem assim, e para quem a vida é
simplesmente simples de viver: sabemos da D.Teresa da padaria, da Josefa da
peixaria, do Sr.António da venda, que sempre parecem
contentes com tudo, e para quem não existem problemas mas apenas soluções.
Nestes, a genética tem um imprinting natural,
que lhes confere esta aura de desconexão com os imbróglios.
Existem
os positivistas racionais, para quem as atitudes tomadas e dirigidas são
em prol duma acção regeneradora, os positivistas altruístas
que magnanimamente distribuem efeitos concretos na sociedade onde se inserem, e
os positivistas zen, que até com uma folha de alface rejubilam e
analisam a criação do mundo.
Mas no
supremo auge desta corrente estão sem sombra de dúvida
as crianças. São o cúmulo do positivismo e deve ser seguido
o seu exemplo de actuação. A ingenuidade, o
despretensiosismo, o horizonte sem fim, são os limites de regulação
daqueles que nos fazem sorrir com tanta alegria. Eu quase que arriscaria a
dizer que a dada altura, o grau de positivismo é inversamente proporcional ao decorrer
da idade física!
No
fundo, as questões intrínsecas ao positivismo podem estar
relacionadas com algumas variáveis fixas do ambiente, da família,
do trabalho, da idade, da genética,
do empenho, do tipo de abordagem,
do número de teorias do fole que se leu, da cor da camisola da
selecção, ou até do pormenor do chapéu
escolhido para esse dia. Mas mesmo tendo em conta todas estas peças
do quadro, nunca podemos esquecer que o fundamental da corrente positivista está
em cada um de nós, na nossa capacidade de impulsionar
e de alcançar algo tão simples como a felicidade e a paz.
O
positivista não tem o melhor de tudo, apenas faz de
tudo o melhor!
Nós
é que complicamos...
Obrigado
pela lição na escola e um abraço João!
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