sábado, 10 de maio de 2014

O Positivismo natural


Certa vez numa aula de filosofia, a professora perguntou se alguém queria expor alguma coisa que tivesse aprendido nesse fim de semana. Por acanhamento ou por preguiça ninguém levantou o braço, com excepção do João. Era um dos cools da turma e estava sempre a contar anedotas, pelo que ninguém estranhou o salto para o meio da arena, embora tivessem ficado intrigados com esta súbita vontade em participar da aula.

-A setôra conhece a perspectiva filosófica do positivismo natural?
A professora, jovem, de formas opulentas e pele alva, corou até as orelhas flamejantes, só pelo pensamento imediato de desconhecimento daquilo que João lhe falava.
-Hãm...não...não conheço muito a fundo, balbuciou com voz trémula perante uma assistência de sorriso trocista.

O João sorriu, inspirou devagar profundamente, fechou os olhos como se abrisse um livro mentalmente, e na meia hora seguinte, falou, falou, falou e expôs uma corrente filosófica assente no amor, na compaixão, na procura da felicidade presente, no altruísmo, na humildade, na bondade, na construção, na serenidade, na contemplação, na alegria de ser, verbalizando um pouco como afinal vivia ele próprio, num discurso verdadeiramente eloquente e apaixonado.

Nunca mais me esqueci daquele momento mágico, em que alguém inventou um desígnio que pode ser seguido por tantos outros. Até a professora se sentou, embevecida, a beber de tamanha inspiração inventada.

Garanto que não procurei no google a palavra Positivismo natural, mas creio que pode ser uma corrente possível de ser replicada infinitas vezes. Vivemos demasiado afogados em trabalhos caseiros, que perdemos tempo naquilo que é essencial: a nossa vida e a vida daqueles a quem queremos bem, porque se o outro está bem hoje, amanhã serei eu que estará. O centralismo egoísta de querer ganhar e vencer tudo, não se coaduna sempre com disponibilidade para os nossos. O positivista não escolhe nem determina estes caminhos, mas simplesmente toma outros rumos mais arejados e cheios de boas ondas.

Podendo parecer como tal, o positivismo não quer dizer necessariamente apenas a antítese do negativismo, o reverso da medalha, ou uma hipérbole do que poderia ser apenas normal. Trata-se de uma forma de estar, em que tudo aquilo que acontece e se nos depara, é transformado em algo que pode ser aproveitado, contornado com energia se for lamacento, ou eternizado se for  normativo e prazenteiro.

Temos certo que pessoas com determinados handicaps, têm por inerência menos oportunidades, mais limitações, e por isso entram facilmente no negativo. Mas algumas avessam aquilo que pode parecer um entrave, para renovarem a energia e redobrarem o empenho naquilo que tocam. Passam a ser positivistas, porque adquirem ganhos que lhes potenciam a força necessária para se reempenharem noutros projectos e incursões.

É desta maneira que o positivismo se destaca mais nas situações de desgraça ou tragédia. Porque é aí que ele muitas das vezes tem de actuar. Perante uma destas situações, em que a zona de conforto se destrói e é invadida por um tsunami devastador, o positivista reage com uma reorganização posicional e de abordagem emocional, que naturalmente o reordena para um patamar diferente de bem-estar e alegria. A perda, a ruína e o impedimento, são três flagrantes exemplos daquilo que falo como tsunami. Pode-se concluir que nem tudo o que é desgraça leva um choque à frente...
 
E no meio desta amálgama de seres que somos, como adivinhar o perfil do positivista?

Os sinais exteriores e exteriorizados, são uma boa montra desta corrente.

O sorriso pode ser interpretado como um bom sinal exterior de positivismo, mas podemos ser enganados, porque nem sempre um sorriso esconde a atitude proativa. É uma evidência de boa vontade relativa a, mas não é suficiente. E muitas vezes pode ser enganador...

O falar muito, o gesticular muito, dar muitas gargalhadas e ser muito prestável, também pode encapotar um falso positivista e esconder um doido desvairado, tendo em conta que o extremo do positivismo também pode cair no patológico. A mania é o auge do positivismo, da insanidade e da loucura, que nos pode levar a voar entre prédios com uma qualquer capa de super-homem, ou a ambicionar conquistar o mundo com um exército de boa vontade.

O positivismo também se pode relacionar com o nível cultural e social onde estamos inseridos. Tenho por certo que níveis mais elaborados na hierarquia social, possuem mais armas, elementos físicos e conforto, que lhes permitam eventualmente pensar em ser activos no sentido positivo. No entanto, também é difícil definir um padrão de atitudes com as mesmas premissas, porque as relações humanas são no fundo o factor determinante na construção das nossas acções positivas e proactivas. E essas são demasiado complexas para estarem vinculadas a algo material.

Também é difícil catalogar os positivistas e agrupá-los em sectores. Os que nascem assim, e para quem a vida é simplesmente simples de viver: sabemos da D.Teresa da padaria, da Josefa da peixaria, do Sr.António da venda, que sempre parecem contentes com tudo, e para quem não existem problemas mas apenas soluções. Nestes, a genética tem um imprinting natural, que lhes confere esta aura de desconexão com os imbróglios.

Existem os positivistas racionais, para quem as atitudes tomadas e dirigidas são em prol duma acção regeneradora, os positivistas altruístas que magnanimamente distribuem efeitos concretos na sociedade onde se inserem, e os positivistas zen, que até com uma folha de alface rejubilam e analisam a criação do mundo.

Mas no supremo auge desta corrente estão sem sombra de dúvida as crianças. São o cúmulo do positivismo e deve ser seguido o seu exemplo de actuação. A ingenuidade, o despretensiosismo, o horizonte sem fim, são os limites de regulação daqueles que nos fazem sorrir com tanta alegria. Eu quase que arriscaria a dizer que a dada altura, o grau de positivismo é inversamente proporcional ao decorrer da idade física!

No fundo, as questões intrínsecas ao positivismo podem estar relacionadas com algumas variáveis fixas do ambiente, da família, do trabalho, da idade, da genética,  do empenho, do tipo de  abordagem, do número de teorias do fole que se leu, da cor da camisola da selecção, ou até do pormenor do chapéu escolhido para esse dia. Mas mesmo tendo em conta todas estas peças do quadro, nunca podemos esquecer que o fundamental da corrente positivista está em cada um de nós, na nossa capacidade de impulsionar e de alcançar algo tão simples como a felicidade e a paz.

O positivista não tem o melhor de tudo, apenas faz de tudo o melhor!

Nós é que complicamos...

Obrigado pela lição na escola e um abraço João!



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