Prometi
que chegaríamos de manhã, mas a noite anterior foi dura e só nos permitiu
chegar depois de preparar os miúdos e retemperar forças com um almoço ligeiro.
O dia estava fenomenal, o verão exibia-se no seu melhor, e corria electricidade
no ar, numa comunhão que a pouco e pouco crescia em onda positiva. Bandeiras,
cachecóis, cânticos e camisas da selecção, davam power a uma festa que
antevíamos renhida.
Estávamos
no aniversário da Sofia, que celebrámos na costa junto dos amigos, e assistimos
ao jogo no bar de praia, já em paródia. Lembro-me que tínhamos uma mesa de
dúzia e meia de franceses mesmo ao lado, pelo que se manteve uma picardia
saudável durante todo o jogo.
Para
começar, o nosso hino cantado de pé e com alma, logo desafiado pela marselhesa
em tons mais suaves e menos testosterónico. Começamos bem, entrosamos, e
estávamos a dar réplica a uma equipa que jogava com todos os trunfos em casa! O
balde de água fria aconteceu quando o grande Cristiano Ronaldo sofreu uma
entrada duríssima e teve de ser substituído! Que frustração para o nosso melhor
jogador de todos os tempos em sair lesionado! Em não poder ajudar a equipa a
vencer!! Ali, pensei que estava tudo comprometido. Os gauleses ganharam fôlego
e começaram a dominar, quer em campo quer na cerveja bebida. Mas a malta não
desiste e entoa cantares bélicos e clubísticos, bem como músicas do Clemente,
Àgata e Trio Odemira, enquanto se roem as unhas de nervoso.
Perdemos
a nossa estrela, mas o resto da equipa joga em clubes mundiais, caramba!!
Chegado
o intervalo, metade da mesa de crianças e mulheres já não sentia a vibração da
vitória e entretinha-se com banalidades desinteressadas do jogo. Foram quinze
minutos a tentar superar aquele folhetim de tensão, convictos que a França
também não tinha feito ainda nada para merecer ter golos. Levantar, espreguiçar
as pernas e acelerar a imperial pedida ao balcão, antes que as equipas voltem
ao relvado.
Curiosamente
foi na entrada da segunda parte que tive a certeza que íamos ganhar! Ver o
nosso capitão com a energia redobrada e a incentivar os seus colegas para
dentro de campo era algo que mostrava a raça lusitana! Os nossos heróis davam
luta e de certeza que tinham lido a teoria do fole no intervalo!
Aguenta,
aguenta........Prolongamento!!! Até já nos via a ganhar os penaltis!
Que
nervos, que emoção, bola à barra!! O semblante francês já não tem a confiança
do início!
Vamos
embora!!!
O nosso
treinador da altura, Fernando Santos, tinha feito algumas substituições e a
última tinha sido a entrada do sempre azarado e coxo do Éder! Mas ao contrário
das outras vezes, senti que vinha com ganas e um querer fora do vulgar.
Primeiro uma cabeçada em cheio que levava selo de baliza, mas quando já todos
estávamos em silêncio a sofrer, como quem mantém níveis de ansiedade contida,
Éder de fora de área saca de um tiro à Eusébio, metendo a bola no cantinho da
baliza francesa!!!!!
Gooooooooooolllo!!!
Todo um
país saltou!
Ainda
hoje me lembro da sensação de alegria
que senti. Parecia que algo explodia do meu peito e umas molas nas
pernas impulsionaram-me num salto quase tão atlético como o do Ronaldo! Que
bomba!! Campeões da Europa!!!!! F#3”*%$!!!
Vou
dizer outra vez: Campeões da Europa!!!
Depois
disso já fomos outra vez Campeões várias vezes, mas nunca como esta em que todo
um povo sofreu, em que todos os emigrantes sofreram, em que todas as nossas
ex-colónias sofreram e rejubilaram de alegria por essa vitória. Sabe tão bem
ganhar e levanta a moral de uma maneira tão positiva, que Portugal mereceu.
Passamos
a fase de grupos com três empates e foi a partir daí que me convenci da
vitória. Diziam que jogávamos mal, sem garra, sem futebol bonito, mas era tudo
inveja de não apreciar a organização, o rigor, o espírito de equipa, a vontade
de ganhar com inteligência. Para mim o exemplo mais marcante e determinante
nesse caminho foi a vitória sobre a Hungria. A força que tivemos para empatar
três vezes, quando estivemos a perder por três vezes no mesmo jogo, é de
valor!! A rotação dos jogadores, a confiança do treinador, a serenidade de toda
a equipa. Que fenómeno!
Foi aqui
que o país deu a reviravolta mental e começou a acreditar em si, no seu povo,
nas suas gentes e nas suas potencialidades.
Já
éramos os maiores na simpatia, no trabalho, nos afectos, nos relacionamentos,
nas vitórias aqui e ali, mas agora passados trinta anos, somos isso e muito
mais.
Sentimos
que afinal uma nação é isto. Um conjunto de pessoas que se reúnem em torno de
um objectivo, com trabalho, com perseverança, com garra, com resiliência, com
patriotismo!
Aquela
vitória foi tão empolgante e sofrida, que arrisco dizer ter sido das emoções
mais fortes que já tive. Bem sei que de lá pra cá já ganhamos três vezes o
campeonato da Europa e duas o campeonato do mundo, mas aquela primeira vez foi
mesmo emocionante. Dizem que a primeira vez é sempre especial e aquela foi!
Trinta anos depois e mesmo assim aquela foi a vitória mais marcante.
Mas a
final daquele longínquo Euro 2016 foi mesmo memorável! Assim muito à distância,
ainda consigo sentir a alegria enorme do momento.
De um
momento que se tornou eterno e histórico!
Viva
Portugal!!
Viva!
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