Os idos anos oitenta lembram-me
tempos de felicidade e despreocupações. Uma infância feliz vivida numa ilha
perfeita, com uma família perfeita e com amigos perfeitos.
Na altura em que andava na minha
saudosa Escola Primária da Carreira e sob a batuta do enorme (em tamanho e
coração) Professor Bráz, tenho na minha memória um amigo de infância.
Pertencia àquele grupo de amigos mais
próximo de um núcleo de afinidades infantis instintivas, que vinha aos arraiais
lá em casa, que cruzava a mesma postura de vida, que jogava à bola e corria
como uma flecha para todo o lado.
Lembro-me dos aniversários na Quinta
Deão onde morava, dos pais que não tinham sotaque madeirense, dos
dois irmãos mais buzicas que ainda não eram gente, e de um outro mais
velho que impunha respeito porque se calhar já era quase adulto.
O João era um miúdo sempre alegre,
bem-disposto e com um sorriso que denunciava a sua pureza e transparência de
espírito. Em permanente actividade, dava a ideia que estava efectivamente a
correr para todo o lado. Eu que corria bastante rápido e veloz na altura,
via-me muitas vezes aflito para lhe ganhar uma disputa para a qual estava
sempre pronto a arrancar!
Ainda continuamos colegas na Escola
do Batalhão, antigo quartel no Funchal, onde me recordo dos circuitos de
corrida na "apanhada". Aquele salto lá ao fundo, antes do túnel por
baixo das escadas em que deslizávamos por debaixo do varão do muro, era sempre
onde ganhava avanço! Fisicamente era muito ágil e de uma destreza fora do comum.
Já na altura o João tinha a
"pancada" do windsurf! Um desporto desconhecido que juntava uma
prancha com uma vela. Sei que tinha também um irmão mais velho que praticava a
modalidade, mas o João ganhava no empenho e dedicação. O seu rosto iluminava-se
quando falava do oceano, do vento, das ondas, do tempo, da prancha, da
retranca, do mastro e de tudo aquilo que tivesse a ver com o velejar.
Em todos os momentos tentava
arranjar uma janela de tempo e escapulir-se para o seu refúgio de imensidão que
era o mar, mas as regras escolares determinavam que
o período estabelecido para as aulas fosse de 50 minutos. Se o professor
daquela disciplina não aparecesse nos primeiros 10 minutos, soava na escola a
sineta de "toque de feriado", o que queria dizer que não teríamos
aula. Enquanto íamos todos contentes jogar à bola ou às corridas, o João ia
para o porto do Funchal, sacava a prancha, surfava meia hora no mar e voltava a
tempo da aula seguinte!
Só assim se fazem campeões!
Desde então acompanho a sua carreira
pelas notícias e fico contente em pensar que aquela dedicação e gosto tiveram
as suas medalhas. Fico contente porque olhando para aquelas crianças de então,
o João teve a capacidade e o discernimento de nunca se desviar daquilo que lhe
dava mais gozo fazer. Não se limitou a isso, mas mostrou que é da força de
vontade e da perseverança que alcançamos metas sobre metas, e que devemos ter
essa atitude em tudo aquilo que nos propomos fazer.
Obviamente que não terá sido um mar
de rosas, que com certeza abdicou de muitas coisas, de muita gente, de muitas
vidas, mas os prémios foram uma justa e merecida recompensa. Estou certo até,
que a verdadeira recompensa não são as taças ou as medalhas arrecadadas, mas
sim todos os desafios em que se superou verdadeiramente. E a meu ver, a derradeira
vitória será mesmo olhar para trás e sentir que fez sempre aquilo que com gosto
lhe deu mais prazer.
Mesmo antes de o saber, afirmava que
seria uma injustiça se o João não fosse o porta-estandarte da comitiva aos
jogos olímpicos do Rio de Janeiro. É um feito a nível mundial o facto de um
atleta qualificar-se sete vezes consecutivas para a prova rainha de todos os
desportos, e esta escolha foi um acto de justiça para alguém que viveu e vive a
sua vida em prol de um caminho.
Não sei se o destino já o traçou para
os próximos anos, mas acredito que o arrecadar de um experiência como esta, plena
de sucessos e vivências desportivas ímpares, só o poderá guiar na senda de um
percurso sempre ligado ao desporto, à competição e a algo que percebi ser já
indissociável: ao Mar!
Fica aqui a humilde vénia desta
Teoria do fole…
Um abraço, parabéns, boa sorte e até
breve João!
João
Rodrigues: velejador com sete presenças consecutivas em Jogos
Olímpicos (Barcelona 1992; Atlanta 1996; Sydney 2000; Atenas 2004; Pequim 2008;
Londres 2012; Rio 2016), várias medalhas e taças no palmarés, inclusivé Campeão
Mundial de Windsurf.
Justa e amiga homenagem a um atleta exemplar!!!
ResponderEliminarParabéns João Rodrigues