Desde
sempre as redes sociais se organizam da forma como a própria palavra a
denomina: socialmente. E socialmente faz-se através do convívio directo, da
presença, dos diálogos, da comunhão, do falar, do estar. Tem sido assim desde
sempre, que se constroem relações e se constituem fortes laços de cumplicidade
e partilha.
Por
isso, não sei se deveríamos apelidar de redes sociais estas novas abordagens
tecnológicas e instrumentos virtuais.
Assumidamente,
concordo plenamente que as redes sociais informáticas são de uma enorme
utilidade e constituem-se como um acréscimo que pode potenciar e valorizar as
relações humanas. O que acontece é que perversamente se substituem a esse mesmo
relacionamento, criando falsos trajectos de afectos.
Não
sou habilitado academicamente para me pronunciar sobre esta questão, e com certeza existem centenas de estudos e reflexões já
nesta área, mas em termos sócio-psico-antropológicos isto deve ser um regozijo
para os estudiosos da matéria. Não somente nestas perspectivas mas até no campo
linguístico, se considerarmos o léxico que introduziram na nossa linguagem
comum: post, like, feed, mural, link, click, selfie, etc.
E
é de facto um fenómeno impressionante a explosão dos twiters e facebooks por
este mundo fora. Será que as pessoas estavam ávidas de relacionamento, ou será
que encontraram os seus 5 minutos de fama eterna? Criou-se em pouco tempo um
polvo de relações articuladas, que na maioria dos casos exibe o bom, o mau e o
assim-assim de cada um. E muitas vezes partindo da iniciativa do próprio! Não
consigo perceber que no “face” (chamemos-lhe assim porque já é tão nosso
íntimo...), se exponha a vida sem critérios. Todos tentam personalizar o seu
perfil ideal e idealizado, mas que obviamente nunca expressará a realidade
vivida, sentida e inconscientemente partilhada.
Criam
e apregoam-se falsas vidas de alegria, de rejubilação, de permanente festa, que
não correspondem minimamente à verdade. Fotos sempre a sorrir, sempre alegres,
em que tudo parece impecável e sem defeito, onde não há lugar à imperfeição ou
ao feio. Todos ambicionamos isso, mas o problema é que esse mundo não existe, e
logo as pessoas se defraudam a elas próprias porque passam a acreditar num
imaginário que até foi construído pelas mesmas. Mas a dada altura tropeçam e aí
sabemos que a queda é maior...
Para
muitos, esta vida faz-de-conta é aquela em que confortavelmente vão construindo
o seu edifício de personalidade virtual.
Quase
todos fazem intervenção social e questionam várias matérias de cidadania,
justiça, direitos e deveres. É um processo tão cómodo e tão à distância de um
clique, que na maioria das vezes se esquecem de praticar esse mesmo género que
apregoam. Sobretudo aquelas pessoas que estão sempre a postar apelos,
solidariedade, doações, indignações para com injustiças, mas depois não
praticam esses mesmos gestos no seu dia-a-dia. Coitadinhos dos palestinianos,
que injustiça atroz os clandestinos do Mediterrâneo, como me indigno com as
crianças que passam fome. Vamos lá, que quantos mais likes, mais se ajuda! Mas no clique seguinte já me esqueci e passei
para os vídeos loucos do futebol...
Muita
acção no dedo, pouca iniciativa concreta. Como dizia o conhecido: "falam,
falam, mas não os vejo a fazer nada!"
O
sucesso deste modus, também reside na
facilidade e rapidez de difusão da informação. As partilhas instantâneas são o
espelho desta fragilidade e isolamento. Porque partilhar naquele momento,
aquela situação, aquela fotografia, aquela música, faria se calhar mais sentido
num determinado momento, num determinado contexto, com determinadas pessoas. Um
amigo, uma mulher, um companheiro, um filho...Se partilhamos tudo muito rápido,
perde-se magia e encanto..
A
cumplicidade com os outros faz-se através de pequenas sintonias e de pequenas
histórias em conjunto. É por isso que quando alguém por exemplo coloca uma
música no mural, está a privar-se dessa cumplicidade e desse momento que
poderia ser de intimidade, passando rapidamente para um vazio de anunciação
desse encontro especial. Que banalização, não...?
Mas
também podemos ter outra leitura. A de que estes inputs são-no para
chamar a atenção, para dizer estou aqui, para dizer eu existo, falem comigo,
façam likes porque assim me sinto
vivo! Talvez..
Nesta análise narcísica, o culto do "eu" tem o seu apogeu máximo nas selfies! Eu a
pentear-me, eu a conduzir, eu com estas vedetas, eu a acordar, eu com o Zeca,
eu a fazer uma careta, eu sempre a arreganhar a taxa! Se isto fosse partilhado
com um pequeno núcleo de pessoas ainda dava um desconto, mas assim em canal
aberto parece-me um pouco frágil. Já que ninguém me endeusa, eu que me
valorize, não é...?
E
quando passam para os mais banais retratos do dia-a-dia, torna-se um pouco
incómodo de aturar. O paradigma destes desabafos, são os facebookianos
que publicam que fizeram cocó às 11h20m, postam uma foto do que lancharam essa
tarde, e no fim colocam um pensamento filosófico ao deitar, desejando uma boa
noite a todos. E o que não deixa de ser mais surpreendente nisto tudo, são os likes que obtiveram nestes mesmos
comentários, provavelmente dos voyeurs profissionais.
E
as tertúlias? Ah! Que saudades das tertúlias...
Nesta
nova versão, há sempre um candidato a jornalista que pergunta algo do tipo: o
que acham da neve sobre o resultado na democracia cristã? E logo desembestam os
comentários, e os comentários aos comentários, que terminam infelizmente sem os
brindes nem os abraços de despedida das reais tertúlias. Assim se perde a
espontaneidade, o desafio, o cara-a-cara e a valentia de assumir os seus pontos
de vista perante os olhos dos outros. Muita solidão que anda por aí...?
Do
ponto de vista global, tenho a certeza que o face é uma mais-valia
imensa deste novo mundo que criamos a cada segundo. Transmite-se informação
fácil e rápida, revêem-se e renascem contactos anteriormente perdidos, é um
excelente canal de divulgação de projectos e ideias, é ponto de partida para
pequenas e grandes teorias do fole, etc, etc e etc.
Mas
como tudo na vida, deve ser usado com moderação e bom senso, com educação e
respeito, mas sobretudo com rentabilidade, eficácia e eficiência. Quantas horas
perdem as pessoas a seguir obsessivamente os posts dos outros, quando as poderiam aproveitar a passar com os
filhos, com os amigos, com os seus amores? Este mundo de bytes e gigas não é o
centro de tudo. Nós é que devemos ser o centro de tudo.
Para
as gerações que nascem agora, será sempre com naturalidade que agirão nestes
contextos, mas há que trabalhar para que este tipo de relacionamentos sejam um extra
e não o cerne das interacções.
Escravos
da ditadura do vício...?
Para
alguns sim...
Mas
agora vou largar o computador e jogar à bola com os miúdos!
Um
abraço cibernético a todos e um até já para alguns....
Fez-me rir: 'Agora vou largar o computador e jogar à bola com os miúdos'. Devemos dar às redes sociais a importância que têm: manter contacto com os que de facto estão longe e ficam assim à distância de um click. Vejo muita solidão nas pessoas que encontram um refúgio no contacto em que não há 'mirror neurons' activados nem empatia, há a futilidade da imagem perfeita. Penso que o pior é a depressão causada pela comparação com vidas perfeitas que não existem mas até os próprios que as publicam parecem acreditar nelas. Que cada um utilize estas tecnologias para regar amizades mas que sejam depois também regadas com afectos não virtuais. Quanto ao resto, cada um mostra o lado que quer, com ou sem redes sociais. O melhor da vida seria não haver máscaras. Quanto à utilidade e divulgação de boas acções, poucos têm tempo para empatia e preocupação genuína. É mais fácil não fazer nada ou apenas fazer 'share'. Ser boa pessoa dá trabalho... infelizmente o lado lúdico é mais forte num mundo em que as Amélies são cada vez mais escassas.
ResponderEliminar