segunda-feira, 13 de julho de 2015

Ginjabol



Nos antigos tempos romanos havia uma aldeia onde o desporto era praticado com afinco, dedicação e muito empenho, mobilizando tudo e todos em torno de uma tradição milenar: o Ginjabol.

Estes embates preparavam-se durante semanas, com estágios parcelares nas melhores adegas do país e idas regulares às missas dos Adventistas para ensaio dos cânticos de claque. Versavam sobre os mais variados temas com títulos sugestivos como “As bolas dum anjo”, “Levado pelo pé, com Jesus eu vou”, “A falta do pecador” e sempre a terminar, o épico “Dia do Apito final”.

No próprio dia do jogo, as forças policiais dispunham-se em bloco em torno das roullotes mais importantes, para permitir a entrada de uma forma ordeira e sóbria no recinto. À polícia montada estava reservado o show erótico, que antigamente era perpetrado pelas manas Romanov e sua caniche da Tasmânia. Toda a festa se montava em redor da praça de touros onde decorria o jogo.

Desde os cuspidores de fogo que eram aproveitados para assar os frangos no espeto, às farturas radioactivas com dupla camada protectora, ao algodão doce com grumos de cevada, às entremeadas de lípidos polinsaturados, e até às bifanas sagradas da porca da Marinela, todos se uniam alegremente ao circo montado. Era curioso constatar que lado a lado conviviam os vendedores de cachecóis, bandeiras, pins, sapatos, verdura, andaimes, chámon e sanitários.

Geralmente era desta aldeia a equipa que defrontava a selecção nacional da Lusália, constituída na altura por jogadores cirróticos e barrigudos com alta agilidade para o jogo mental de cultura védica.

Quando os machos jogadores da selecção entravam em campo com os seus ursinhos de peluche, robe, pijama e rolos no cabelo, eram entusiasticamente recebidos com mousses vegetais, óleos de sebo de girafa, algálias de longa duração, e exfoliantes de casca de tremoço das raras quintas capitalistas e feudais de Corroios.

Dentro do estádio, dum lado do campo posicionavam-se os melhores representantes dos Lusálios, enquanto do outro se colocavam os anões da Beira Baixa. Esta casta conhecida carinhosamente pelos “Beirinhas”, era sempre um adversário aguerrido, famoso pelos seus golpes de cabeça no baixo-ventre quando os ânimos lhes subiam à guelra. Com um centro de gravidade mais baixo, conseguiam muitas vezes passar pelos entrefolhos dos adversários, fintando-os com dribles de ballet ucraniano.

Este jogo original, desenrola-se por tradição numa arena circular com três orifícios na zona central com cerca de 8cm de diâmetro. Cada equipa é constituída por 7 elementos que rotativamente aplicam a sua jogada. Em cada uma destas jogadas se bebe uma ginjinha, seguida de um lançamento do respectivo caroço a partir de vários círculos a diversas distâncias dos tais orifícios centrais, tentando neles acertar. Os círculos mais distantes dos orifícios centrais dão uma maior pontuação, pelo que essas apostas são habitualmente utilizadas pelos jogadores com maior capacidade de sopro, e em alturas onde se pretendem recuperações de desvantagens no marcador.

Há no entanto várias técnicas de arremesso do caroço: uns enchem o peito de ar e cospem com precisão militar o caroço, outros lançam o caroço na vertical e de seguida chutam-no, e outros há ainda que tapam uma narina e fecham a boca, arremessando o mini esférico pela narina oposta. Nestas ocasiões o caroço é envolvido por um ranho verde e viscoso que permite uma aterragem com maior acerto, pois o atrito é maior.

Em extremos diametralmente opostos da arena, coloca-se a equipa técnica de cada uma das selecções, com toda a parafernália necessária ao decorrer do jogo. Uma vez que este se pode prolongar durante horas, a máquina de imperiais é essencial para que se mantenha uma boa hidratação dos jogadores, enquanto o tradicional banco de suplentes é substituído por mesas corridas onde abundam os leitões assados, javalis no espeto, codornizes de Albufeira, salada de frutas e chamuças gigantes. O grupo de assistência técnica é formado por massagistas faciais, ensaiadores de sopro, psicólogos de sábado, quiromantes, cartomantes e especialistas de decoração Feng-Shui.

Neste tipo de provas, a equipa fixa de arbitragem é habitualmente constituída por dez elementos, uma vez que têm de ser regularmente substituídos. Em cada lançamento de cada uma das equipas, o árbitro principal brinda e ingere a ginja e o caroço. Os que têm um maior índice de massa corporal suportam várias jogadas seguidas, mas quando começam a andar de gatas para validar os caroços nos buracos, têm de ser rapidamente substituídos. Há os que suportam e aguentam bem o licorzinho, mas que por vezes se deparam com a tripa tão atafulhada de caroços que têm de desistir por cólicas. Nestas alturas, a bolsa de apostas do mercado negro incide sobre o número de jogadas que cada árbitro irá suportar, sendo excluídos aqueles que recorrem ao uso de doping como suplementos de água del cano.

Nestes míticos jogos, os únicos penaltis que existiam eram os efectuados pelo melhor jogador da equipa da Lusália, conhecido como “Mikas Sarrasqueiro”, que desempenhava os chamados penaltis invertidos, famosos pela arrojada cambalhota e arremesso da pevide ao buraco. Um portentoso jogador era também o “Sanfonas, que de tão rápido que era a engolir a ginja, até tragava o caroço. Outra verdadeira lenda do Ginjabol: o “Hammer”! Uma pontaria certeira, umas trajectórias elípticas, o maior número de jogadas seguidas sem cair em campo. Tornou-se uma verdadeira imagem de marca ter sempre o bacalhau assado e a máquina de imperiais por sua conta...

O jogo podia durar horas a fio, mas mesmo quando se dava por terminada a disputa, que ocorria quando 2/3 dos elementos de uma das equipas ia parar ao Hospital, a vitória era celebrada num qualquer recanto da aldeia com alegria e boa disposição.

Estes torneios e toda a sua envolvência, eram no fundo um dos maiores motores impulsionadores do socialismo.
Toda a parafernália e agitação que mobilizavam, ainda hoje são sede de cruzamentos intergeracionais que constituem a base de toda uma estrutura populacional e que permite consolidar a verdadeira essência dum povo à luz da teoria do fole: a sua alma!

Viva o desporto!






sexta-feira, 3 de julho de 2015

Face up


Desde sempre as redes sociais se organizam da forma como a própria palavra a denomina: socialmente. E socialmente faz-se através do convívio directo, da presença, dos diálogos, da comunhão, do falar, do estar. Tem sido assim desde sempre, que se constroem relações e se constituem fortes laços de cumplicidade e partilha.
Por isso, não sei se deveríamos apelidar de redes sociais estas novas abordagens tecnológicas e instrumentos virtuais.

Assumidamente, concordo plenamente que as redes sociais informáticas são de uma enorme utilidade e constituem-se como um acréscimo que pode potenciar e valorizar as relações humanas. O que acontece é que perversamente se substituem a esse mesmo relacionamento, criando falsos trajectos de afectos.

Não sou habilitado academicamente para me pronunciar sobre esta questão, e com certeza  existem centenas de estudos e reflexões já nesta área, mas em termos sócio-psico-antropológicos isto deve ser um regozijo para os estudiosos da matéria. Não somente nestas perspectivas mas até no campo linguístico, se considerarmos o léxico que introduziram na nossa linguagem comum: post, like, feed, mural, link, click, selfie, etc.

E é de facto um fenómeno impressionante a explosão dos twiters e facebooks por este mundo fora. Será que as pessoas estavam ávidas de relacionamento, ou será que encontraram os seus 5 minutos de fama eterna? Criou-se em pouco tempo um polvo de relações articuladas, que na maioria dos casos exibe o bom, o mau e o assim-assim de cada um. E muitas vezes partindo da iniciativa do próprio! Não consigo perceber que no “face” (chamemos-lhe assim porque já é tão nosso íntimo...), se exponha a vida sem critérios. Todos tentam personalizar o seu perfil ideal e idealizado, mas que obviamente nunca expressará a realidade vivida, sentida e inconscientemente partilhada.

Criam e apregoam-se falsas vidas de alegria, de rejubilação, de permanente festa, que não correspondem minimamente à verdade. Fotos sempre a sorrir, sempre alegres, em que tudo parece impecável e sem defeito, onde não há lugar à imperfeição ou ao feio. Todos ambicionamos isso, mas o problema é que esse mundo não existe, e logo as pessoas se defraudam a elas próprias porque passam a acreditar num imaginário que até foi construído pelas mesmas. Mas a dada altura tropeçam e aí sabemos que a queda é maior...
Para muitos, esta vida faz-de-conta é aquela em que confortavelmente vão construindo o seu edifício de personalidade virtual.

Quase todos fazem intervenção social e questionam várias matérias de cidadania, justiça, direitos e deveres. É um processo tão cómodo e tão à distância de um clique, que na maioria das vezes se esquecem de praticar esse mesmo género que apregoam. Sobretudo aquelas pessoas que estão sempre a postar apelos, solidariedade, doações, indignações para com injustiças, mas depois não praticam esses mesmos gestos no seu dia-a-dia. Coitadinhos dos palestinianos, que injustiça atroz os clandestinos do Mediterrâneo, como me indigno com as crianças que passam fome. Vamos lá, que quantos mais likes, mais se ajuda! Mas no clique seguinte já me esqueci e passei para os vídeos loucos do futebol...
Muita acção no dedo, pouca iniciativa concreta. Como dizia o conhecido: "falam, falam, mas não os vejo a fazer nada!"

O sucesso deste modus, também reside na facilidade e rapidez de difusão da informação. As partilhas instantâneas são o espelho desta fragilidade e isolamento. Porque partilhar naquele momento, aquela situação, aquela fotografia, aquela música, faria se calhar mais sentido num determinado momento, num determinado contexto, com determinadas pessoas. Um amigo, uma mulher, um companheiro, um filho...Se partilhamos tudo muito rápido, perde-se magia e encanto..
A cumplicidade com os outros faz-se através de pequenas sintonias e de pequenas histórias em conjunto. É por isso que quando alguém por exemplo coloca uma música no mural, está a privar-se dessa cumplicidade e desse momento que poderia ser de intimidade, passando rapidamente para um vazio de anunciação desse encontro especial. Que banalização, não...?

Mas também podemos ter outra leitura. A de que estes inputs são-no para chamar a atenção, para dizer estou aqui, para dizer eu existo, falem comigo, façam likes porque assim me sinto vivo! Talvez..

Nesta análise narcísica, o culto do "eu" tem o seu apogeu máximo nas selfies! Eu a pentear-me, eu a conduzir, eu com estas vedetas, eu a acordar, eu com o Zeca, eu a fazer uma careta, eu sempre a arreganhar a taxa! Se isto fosse partilhado com um pequeno núcleo de pessoas ainda dava um desconto, mas assim em canal aberto parece-me um pouco frágil. Já que ninguém me endeusa, eu que me valorize, não é...?

E quando passam para os mais banais retratos do dia-a-dia, torna-se um pouco incómodo de aturar. O paradigma destes desabafos, são os facebookianos que publicam que fizeram cocó às 11h20m, postam uma foto do que lancharam essa tarde, e no fim colocam um pensamento filosófico ao deitar, desejando uma boa noite a todos. E o que não deixa de ser mais surpreendente nisto tudo, são os likes que obtiveram nestes mesmos comentários, provavelmente dos voyeurs profissionais.

E as tertúlias? Ah! Que saudades das tertúlias...
Nesta nova versão, há sempre um candidato a jornalista que pergunta algo do tipo: o que acham da neve sobre o resultado na democracia cristã? E logo desembestam os comentários, e os comentários aos comentários, que terminam infelizmente sem os brindes nem os abraços de despedida das reais tertúlias. Assim se perde a espontaneidade, o desafio, o cara-a-cara e a valentia de assumir os seus pontos de vista perante os olhos dos outros. Muita solidão que anda por aí...?

Do ponto de vista global, tenho a certeza que o face é uma mais-valia imensa deste novo mundo que criamos a cada segundo. Transmite-se informação fácil e rápida, revêem-se e renascem contactos anteriormente perdidos, é um excelente canal de divulgação de projectos e ideias, é ponto de partida para pequenas e grandes teorias do fole, etc, etc e etc.

Mas como tudo na vida, deve ser usado com moderação e bom senso, com educação e respeito, mas sobretudo com rentabilidade, eficácia e eficiência. Quantas horas perdem as pessoas a seguir obsessivamente os posts dos outros, quando as poderiam aproveitar a passar com os filhos, com os amigos, com os seus amores? Este mundo de bytes e gigas não é o centro de tudo. Nós é que devemos ser o centro de tudo.

Para as gerações que nascem agora, será sempre com naturalidade que agirão nestes contextos, mas há que trabalhar para que este tipo de relacionamentos sejam um extra e não o cerne das interacções.

Escravos da ditadura do vício...?
Para alguns sim...

Mas agora vou largar o computador e jogar à bola com os miúdos!

Um abraço cibernético a todos e um até já para alguns....