Tunas para quê?
Neste conflito de
interesses posso ser suspeito para divagar sobre o tema, mas tentarei o
afastamento suficiente e a leitura imparcial, para poder discriminar o muito de
bom que têm.
Não vou obviamente dissertar
sobre praxes, ou caloiros, ou organizações estudantis, ou o que quer que tenha
a ver com essas questões. Isso fica quiçá para outra teoria do fole…
Sinceramente não sei
se gosto de tunas! Mas posso dizer que gosto de algumas tunas e que gosto de
algum tipo de música feito por tunas.
Costumo segmentar um
pouco este submundo, dividindo as tunas em duas: aquelas que apostam e mantêm a
qualidade musical como o seu desígnio, e aquelas que funcionam apenas como
complemento à vida académica curricular. Podemos designá-las de tunas X e tunas
Z, sem prejuízo de poder estar a atribuir maior importância a uma do que a
outra, sabendo que têm os seus cabimentos lógicos nos meios onde se desenrolam
as suas acções.
As tunas Z são
aquelas de menor dimensão, constituídas indiscriminadamente por estudantes que
tendo um mínimo de aptidão musical integram o grupo, e podem assim expressar a
sua vertente artística e participativa. Naturalmente que este facto
repercute-se directamente no produto final alcançado! Têm geralmente uma fraca
performance musical, sendo por vezes difícil de as ouvir durante muito tempo
porque se torna uma tarefa deveras penosa...São por isso olhadas de lado pelos
músicos e melómanos, que as condenam de imediato num primeiro contacto.
De facto, a qualidade
musical destes grupos é obtusa, mas isso para mim até que nem é o mais
negativo. Infelizmente, enfermam de um mal que é comum à maioria das áreas
sociais e não se cinge às tunas, que tem a ver com a falta de limites e com o
desmembramento de uma série de regras empíricas que nos marcam as fronteiras do
bem/mal, do correcto/incorrecto, do abrutalhado/com classe, da
postura/desleixo. Podem ficar assim contagiadas pelas atitudes mentecaptas de
alguns universitários, que usam e abusam de comportamentos menos próprios e
bastas vezes imaturos...
Isto leva a situações
quotidianas, em que basta que uma destas tunas tenha uma intervenção ou atitude
de um nível diferente, para que logo todas as outras sejam postas injustamente
no mesmo patamar. Chama-se popularmente "pagar o justo pelo pecador"!
E só porque envergam um uniforme e são universitários, se contamina esta ideia
a tudo quanto é tuna!! Não tá certo...Por isso o Herman José e outros
humoristas, fazem rábulas a zombarem das tunas. Porque estas dão o flanco...
Mas a isso não deviam
ser condenadas, nem tantas vezes ostracizadas. Desempenham um papel fundamental
na integração dos vários estudantes da instituição, têm quase todas um espírito
de grupo invejável, permitem que muitos alunos tenham contacto com música, com
instrumentos, com ensaios, com palcos, com um cancioneiro nacional, e
transmitem normalmente alegria, boa disposição e entretenimento. Englobam os
elementos como fazendo parte de um conjunto, e sem ser o seu propósito
primário, acabam por desenvolver dinâmicas de progressão individual. Com uma
série de itens de responsabilidade e comportamento cultural, estas tunas têm
iniciativas próprias muito valorosas para as instituições que representam,
sendo uma alavanca de crescimento e maturidade para os indivíduos que as
integram.
No campo
diametralmente oposto a este, as tunas X, quer pela sua natureza, quer pelas
suas capacidades próprias e estruturais, têm outros desígnios e objectivos.
Independentemente de representarem uma faculdade ou uma universidade, todas têm
um propósito essencial: fazer música!
E é aqui que se
concentra todo o poder e energia destes grupos! Têm geralmente bons
executantes, bons ensaiadores, ensaios produtivos, rigor nas apresentações, um
repertório estruturado, muitas criações musicais.
Pelo esforço e
dedicação que algumas imprimem, merecem-nos todo o respeito, porque não nos
esqueçamos que estas participações são voluntárias e não remuneradas. O
profissionalismo e brio destes grupos, não nos podem fazer olvidar que estamos
perante amadores que dão o melhor de si para que os espectáculos vão avante.
Muita gente acha que
é tempo desperdiçado e mal gasto nestas andanças, mas do meu ponto de vista
essa é uma visão completamente errada. Errada, porque há toda uma riqueza que
se ganha e se se conquista. É verdade que muitos abdicam das suas vidas
pessoais para dedicar tempo aos ensaios, ao conceito do espectáculo, às musicas
novas, a discutir novas formas de abordagem musical, a estudar e reinventar o
cancioneiro português, a vestir uma nova roupagem melódica a outros cantos, a
criar música, letras, canções, a fazer história, a marcar os corações e almas daqueles para quem cantam. Mas a isto
chama-se crescer, construindo, munindo-se simultaneamente de armas que lhes
serão úteis ao longo da vida.
A prova disso, são as
centenas de elementos das tunas que comprovadamente ocupam hoje lugares de
destaque nas suas diversas áreas profissionais. Desde a ciência à arte, do
académico ao empresarial, muitos são figuras de renome e com provas dadas de
valores, como verdadeiros exemplos de cidadania.
Estas tunas têm esse
extraordinário mérito que não encontramos em muitos outros sectores. Trabalham,
e bem, de forma genuína e gratuita, pelo simples prazer que lhes dá o fazer e
criar música. Este é um bem inestimável, impossível de dimensionar, porque a
própria espontaneidade do movimento tunante radica num sentimento aberto de
partilha, e numa força de grupo que transpira e se sente quando com elas
convivemos.
A sua existência
conquista por si só um lugar na história, mas um dos grandes méritos que
podemos atribuir às tunas, é o facto de terem recuperado muitos dos
instrumentos tradicionais portugueses! Numa época em que o digital, as novas
tecnologias e os artificialismos ganham terreno, foi este remodelado universo
que recuperou toda a arte e saber dos instrumentos artesanais portugueses. O
bandolim foi reavivado, a guitarra portuguesa ganhou novos adeptos, o
cavaquinho passou a ser tocado por centenas de jovens, a secção rítmica
reconquistou sons antigos, entre tantos outros exemplos reveladores da importância
da redinamização de todo este comércio e conhecimento que estava em
esquecimento e desaparecimento rápido.
Em termos genéricos e
no momento actual, este microcosmos, e muitas vezes considerado submundo, encontra-se
numa fase de decisão. Decisão no rumo que quer tomar, e na forma que se quer
assumir dentro da sociedade. Este é o momento de dar o salto qualitativo, de se
estabelecer como Instituição onde os seus elementos possam encontrar um espaço
para continuar a exercer o seu trabalho pró buono, em prol de algo que
lhes traga satisfação, mas que tenha impacto no meio onde vivem. As tunas têm
de se reinventar e reinventar as suas formas de intervenção. Algumas já
começaram a romper com esse status quo, através de espectáculos
diferentes, colaborações com orquestras e bandas, parcerias alargadas, registos
de produção, acções sustentadas de solidariedade, criação de escolas de música,
envolvimento em acções educativas, etc, etc.
No entanto, e a meu
ver, a chave do sucesso residirá na capacidade que cada tuna terá, em saber
criar laços com o público e alargá-lo, amplificando a sua oferta musical e
envolvendo diversos sectores sociais. Para este desiderato, sair do casulo
universitário é fulcral. Ao mesmo tempo, a nível interno, a lógica de
participação terá de ser alterada para um processo que permita um prolongamento
de intervenção das gerações mais velhas, trazendo maturidade e um know-how que
constitua solidez, maior coerência e continuidade aos projectos delineados.
Existem muitas soluções, muitos caminhos que podem ser tomados, para que toda
esta labor e todo este manancial de trabalho produzido possa ser rentabilizado e gerador
de novas oportunidades nos diversos setores sociais e culturais.
Digamos que é um
mundo sui generis, ao qual lhe será dado o real valor quando as pessoas
se aperceberem do real valor de mercado que ele representa...
A ver vamos...
Muito interessante a reflexão final sobre o rumo que este mundo deve ou poderá tomar.
ResponderEliminarCaríssimo vá ver o sucesso profissional da grande maioria da Pitagórica ;)
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