sexta-feira, 27 de março de 2015

iTunas


Tunas para quê?
Neste conflito de interesses posso ser suspeito para divagar sobre o tema, mas tentarei o afastamento suficiente e a leitura imparcial, para poder discriminar o muito de bom que têm.

Não vou obviamente dissertar sobre praxes, ou caloiros, ou organizações estudantis, ou o que quer que tenha a ver com essas questões. Isso fica quiçá para outra teoria do fole…
Sinceramente não sei se gosto de tunas! Mas posso dizer que gosto de algumas tunas e que gosto de algum tipo de música feito por tunas.

Costumo segmentar um pouco este submundo, dividindo as tunas em duas: aquelas que apostam e mantêm a qualidade musical como o seu desígnio, e aquelas que funcionam apenas como complemento à vida académica curricular. Podemos designá-las de tunas X e tunas Z, sem prejuízo de poder estar a atribuir maior importância a uma do que a outra, sabendo que têm os seus cabimentos lógicos nos meios onde se desenrolam as suas acções.

As tunas Z são aquelas de menor dimensão, constituídas indiscriminadamente por estudantes que tendo um mínimo de aptidão musical integram o grupo, e podem assim expressar a sua vertente artística e participativa. Naturalmente que este facto repercute-se directamente no produto final alcançado! Têm geralmente uma fraca performance musical, sendo por vezes difícil de as ouvir durante muito tempo porque se torna uma tarefa deveras penosa...São por isso olhadas de lado pelos músicos e melómanos, que as condenam de imediato num primeiro contacto.

De facto, a qualidade musical destes grupos é obtusa, mas isso para mim até que nem é o mais negativo. Infelizmente, enfermam de um mal que é comum à maioria das áreas sociais e não se cinge às tunas, que tem a ver com a falta de limites e com o desmembramento de uma série de regras empíricas que nos marcam as fronteiras do bem/mal, do correcto/incorrecto, do abrutalhado/com classe, da postura/desleixo. Podem ficar assim contagiadas pelas atitudes mentecaptas de alguns universitários, que usam e abusam de comportamentos menos próprios e bastas vezes imaturos...

Isto leva a situações quotidianas, em que basta que uma destas tunas tenha uma intervenção ou atitude de um nível diferente, para que logo todas as outras sejam postas injustamente no mesmo patamar. Chama-se popularmente "pagar o justo pelo pecador"! E só porque envergam um uniforme e são universitários, se contamina esta ideia a tudo quanto é tuna!! Não tá certo...Por isso o Herman José e outros humoristas, fazem rábulas a zombarem das tunas. Porque estas dão o flanco...

Mas a isso não deviam ser condenadas, nem tantas vezes ostracizadas. Desempenham um papel fundamental na integração dos vários estudantes da instituição, têm quase todas um espírito de grupo invejável, permitem que muitos alunos tenham contacto com música, com instrumentos, com ensaios, com palcos, com um cancioneiro nacional, e transmitem normalmente alegria, boa disposição e entretenimento. Englobam os elementos como fazendo parte de um conjunto, e sem ser o seu propósito primário, acabam por desenvolver dinâmicas de progressão individual. Com uma série de itens de responsabilidade e comportamento cultural, estas tunas têm iniciativas próprias muito valorosas para as instituições que representam, sendo uma alavanca de crescimento e maturidade para os indivíduos que as integram.

No campo diametralmente oposto a este, as tunas X, quer pela sua natureza, quer pelas suas capacidades próprias e estruturais, têm outros desígnios e objectivos. Independentemente de representarem uma faculdade ou uma universidade, todas têm um propósito essencial: fazer música!
E é aqui que se concentra todo o poder e energia destes grupos! Têm geralmente bons executantes, bons ensaiadores, ensaios produtivos, rigor nas apresentações, um repertório estruturado, muitas criações musicais.

Pelo esforço e dedicação que algumas imprimem, merecem-nos todo o respeito, porque não nos esqueçamos que estas participações são voluntárias e não remuneradas. O profissionalismo e brio destes grupos, não nos podem fazer olvidar que estamos perante amadores que dão o melhor de si para que os espectáculos vão avante.

Muita gente acha que é tempo desperdiçado e mal gasto nestas andanças, mas do meu ponto de vista essa é uma visão completamente errada. Errada, porque há toda uma riqueza que se ganha e se se conquista. É verdade que muitos abdicam das suas vidas pessoais para dedicar tempo aos ensaios, ao conceito do espectáculo, às musicas novas, a discutir novas formas de abordagem musical, a estudar e reinventar o cancioneiro português, a vestir uma nova roupagem melódica a outros cantos, a criar música, letras, canções, a fazer história, a marcar os corações  e almas daqueles para quem cantam. Mas a isto chama-se crescer, construindo, munindo-se simultaneamente de armas que lhes serão úteis ao longo da vida.

A prova disso, são as centenas de elementos das tunas que comprovadamente ocupam hoje lugares de destaque nas suas diversas áreas profissionais. Desde a ciência à arte, do académico ao empresarial, muitos são figuras de renome e com provas dadas de valores, como verdadeiros exemplos de cidadania.

Estas tunas têm esse extraordinário mérito que não encontramos em muitos outros sectores. Trabalham, e bem, de forma genuína e gratuita, pelo simples prazer que lhes dá o fazer e criar música. Este é um bem inestimável, impossível de dimensionar, porque a própria espontaneidade do movimento tunante radica num sentimento aberto de partilha, e numa força de grupo que transpira e se sente quando com elas convivemos.

A sua existência conquista por si só um lugar na história, mas um dos grandes méritos que podemos atribuir às tunas, é o facto de terem recuperado muitos dos instrumentos tradicionais portugueses! Numa época em que o digital, as novas tecnologias e os artificialismos ganham terreno, foi este remodelado universo que recuperou toda a arte e saber dos instrumentos artesanais portugueses. O bandolim foi reavivado, a guitarra portuguesa ganhou novos adeptos, o cavaquinho passou a ser tocado por centenas de jovens, a secção rítmica reconquistou sons antigos, entre tantos outros exemplos reveladores da importância da redinamização de todo este comércio e conhecimento que estava em esquecimento e desaparecimento rápido.

Em termos genéricos e no momento actual, este microcosmos, e muitas vezes considerado submundo, encontra-se numa fase de decisão. Decisão no rumo que quer tomar, e na forma que se quer assumir dentro da sociedade. Este é o momento de dar o salto qualitativo, de se estabelecer como Instituição onde os seus elementos possam encontrar um espaço para continuar a exercer o seu trabalho pró buono, em prol de algo que lhes traga satisfação, mas que tenha impacto no meio onde vivem. As tunas têm de se reinventar e reinventar as suas formas de intervenção. Algumas já começaram a romper com esse status quo, através de espectáculos diferentes, colaborações com orquestras e bandas, parcerias alargadas, registos de produção, acções sustentadas de solidariedade, criação de escolas de música, envolvimento em acções educativas, etc, etc.

No entanto, e a meu ver, a chave do sucesso residirá na capacidade que cada tuna terá, em saber criar laços com o público e alargá-lo, amplificando a sua oferta musical e envolvendo diversos sectores sociais. Para este desiderato, sair do casulo universitário é fulcral. Ao mesmo tempo, a nível interno, a lógica de participação terá de ser alterada para um processo que permita um prolongamento de intervenção das gerações mais velhas, trazendo maturidade e um know-how que constitua solidez, maior coerência e continuidade aos projectos delineados. Existem muitas soluções, muitos caminhos que podem ser tomados, para que toda esta labor e todo este manancial de trabalho produzido possa ser rentabilizado e gerador de novas oportunidades nos diversos setores sociais e culturais.

Digamos que é um mundo sui generis, ao qual lhe será dado o real valor quando as pessoas se aperceberem do real valor de mercado que ele representa...


A ver vamos...