A notícia era abertura dos telejornais do mundo inteiro. Ninguém sabia como podia aquilo ter acontecido, que estranhas forças poderiam estar por detrás de tão invulgar fenómeno. Neste caso poderíamos até chamar de falta de forças, uma vez que ele não se susteve lá em cima...
Foi tão
abrupto como um raio, e quase tão chocante como uma cena de pânico.
Batiam as 12
horas e quinze minutos do dia 19 de Agosto de 2014, quando a vida decorria tão
normal como poderia decorrer, naquele mundo igual a tantos outros.
O sol brilhava
lá em cima tão intenso, que alguns até lhe rogavam pragas para que se
apagasse...E não é que às 12 horas e dezasseis minutos do dia 19 de Agosto de 2014, as forças deram acção aos pensamentos, e o sol....caiu?
Sim, caiu tão
a pique como a pique brilhava no minuto anterior. Como se estivesse pendurado
por um fio imaginário e alguém o tivesse cortado. Caiu em silêncio, sem
estrondo, sem estoiro ou explosão hollywoodesca, desaparecendo na linha
do horizonte e fechando o pano da sua actuação.
O sol tinha
caído e mergulhado a terra na negritude total!
Toda a gente
foi apanhada de surpresa: os carros chocaram uns com os outros baralhados, o
rapaz que descia a escada a correr ficou sem luz e espatifou-se contra a parede
dum meio-piso, e alguém não conseguiu ler a teoria do fole enquanto sentado na
retrete se aliviava dos restos do dia anterior...
O pânico
gerou-se de imediato nas populações, e todos acharam que vinha aí o fim do
mundo! O apocalipse traria os quatro cavaleiros ceifando tudo e todos, as
pragas desceriam à terra, os ventos soprariam rugindo, e o fogo brotaria da
terra engolindo os homens. Mas nada disso aconteceu... Apenas a noite tinha
caído para sempre no planisfério.
Os animais
calaram-se num silêncio ruidoso e inquietante, mas rapidamente retomaram as
suas rotinas de caça ao gato e ao rato, passado o susto inicial...
O dia
transformado noite de forma tão pacífica, tinha gerado uma adaptação das luzes
e iluminação àquele horário esquisito.
Todos,
atónitos, saiam à rua olhando o céu tentando vislumbrar o outrora astro-rei.
Mas nada...
Jornalistas,
comentadores, astrólogos e até bispos, venderam a sua teoria em troca de uns
segundos de fama num qualquer canal televisivo.
Cedo as
tentativas de respostas se centraram na comunidade científica. Teorias de translação,
da conjugação do ropirininau com o pátátús, de energias inversas, de
sustentação do ozono, e até da atração-repulsa dos corpos celestes.
Com o sol
caído para lá do horizonte, como fariam para o recuperar? Quando algo cai,
alguém se agacha para o apanhar, mas neste caso a situação era bastante mais
complexa, porque quem é que pega numa bola em brasa e a coloca outra vez no
céu? Como iria a ciência resolver este imbróglio astronáutico?
Pôs-se em
marcha a maior operação mundial de todos os tempos, e encontrar uma solução
concertada para pôr o seu, no seu sítio. As agências espaciais trabalhavam
noite após noite para que uma rápida solução fosse achada. Porque o mundo
simplesmente não podia viver à luz permanente do halogénio!
As plantas
ficavam raquíticas, os fungos floresciam, a visão ficava escurecida, os níveis
de cortisol e melanina baralhavam-se, os painéis solares dormiam em
permanência, o galo não cantava, e nem as sunset partys tinham a
parte "pela noite dentro".
Enquanto isso,
todos lançavam palpites de como repor a luz! Uns com ideias de focos gigantes
de holofotes reguláveis, outros a imaginar o desvio de estrelas da galáxia mais próxima, e os russos a maquinarem a
tentativa de intersecção de feixes nucleares que criassem um novo sol... Todas
as ideias eram válidas, mas pouco exequíveis na prática...
Surpreendentemente,
a resposta viria de um menino de 7 anos de idade!
Na sua
simplicidade, apenas pensou em voz alta: se o sol caiu lá por trás e agora está
lá em baixo, o que temos a fazer é descer a terra para um sítio mais abaixo do
sol...
Solução
brilhante, afirmaram os cientistas! Mas como iriam deslocar uma massa de
triliões de peso, pelo espaço, para que esta adoptasse uma localização
diferente daquela em estava desde a sua existência...? A terra não se mexe
assim como assim...
Nesse entretanto,
todas as cidades viam o seu funcionamento habitual afectado por este fenómeno
quase paranormal. As rotinas eram controladas apenas pelos relógios, mas nunca
batiam certo com a lógica do ciclo dia-noite, ao mesmo tempo que as reservas de
energia se iam consumindo rapidamente, uma vez que tudo o que era luz
artificial tinha de ser mantida acesa 24 sobre 24h. Para além disso, a
serotonina e os ritmos circadianos alterados, faziam com que a irritabilidade
das pessoas fosse em crescendo, notando-se já alguns distúrbios sociais e focos
de tensão em bairros urbanos mais desfavorecidos onde a energia falhava
amiúde.
Enquanto se
remexiam soluções e mais soluções, já se tinham passado 42 dias do
fatídico apagão...
Curiosamente,
a mesma criança que alvitrou a solução, também pensou na resposta: então e
se saltássemos todos ao mesmo tempo e afundássemos a terra para um plano
inferior?
Todos clamaram
aleluias que a solução do problema estava à vista, que iriam resolver o assunto
em menos de nada, mas ninguém se lembrou de como executar um plano deste tipo.
Como iriam pôr
a saltar 7 mil milhões de almas ao mesmo tempo, de maneira a que a força fosse
toda feita ao mesmo tempo, e o impacto fosse ao segundo? E a sincronização
desta gente toda? Daríamos uma alerta mundial via rádio, tipo "3, 2, 1,
agora?.", e o mundo todo dava um salto sincronizado? Corresponderia a uma
força de 3,2 joules por pessoa o que com as agulhas bem afinadas daria
um impacto total de 21 biliões de joules. Seria suficiente para deslocar
a terra para baixo? Os cientistas quando se interrogaram sobre isto, baixaram
os ombros e levaram as mãos à cabeça desanimados...
Mas houve um
que se levantou de repente, de olhos muito esbugalhados e completamente
despenteado como um porco-espinho.
Fitando o
horizonte, sorriu misteriosamente e murmurou entre dentes: já sei!
Melhor que
dispersar a ordem de saltar em uníssono, a força teria de ser aplicada num
determinado ponto que servisse de fulcro, e para isso apenas necessitariam de
meia dúzia de indivíduos com índice de massa corporal superior a 51. Isso, e um
ponto algures na terra, resolviam a equação...
As notícias
desdobraram-se e os noticiários faziam saber que o COSARPLATE (Comité de
Salvação do Astro Rei e do Planeta Terra), procurava basicamente gordos e
muuuito gordos para o salvamento da Terra. Ou do sol, conforme a perspectiva...
Os americanos
foram os primeiros a responder com um eunuco de 32 anos e 522 quilos, os
alemães ofereceram duas mamalhudas com 381 quilos, os albaneses lançaram um exemplar
de porte baixo e redondo com 403 quilos, a polinésia francesa com um indivíduo
quase aparentado de javali com 381 quilos, e os portugueses com o redondo do
Carlinhos de Alfama, cujo fígado pesava uns impressionantes 183 quilos!
Foram
apresentados nos noticiários como os peso-pesados da estratosfera, posando em
tanga e exibindo todas as suas flácidas gorduras pendentes, com um orgulho
descontraído.
Depois de
muitos cálculos e equações rigorosas, decidiu-se que o epicentro que iria fazer
estremecer a terra e abatê-la uns bons metros, estaria no terreno da Teresinha
dos rissóis, em pleno centro de Massamá!
Ali se montou
a maior tenda de telecomunicações do mundo, em que cientistas, investigadores,
engenheiros e cartomantes beirãs, estudavam o ponto exacto em que o grupo dos
gordos teria de saltar.
Para esse fim, construíram cinco torres em volta de um
determinado ponto marcado com uma cruz amarela, em que os peso-pesados teriam
de acertar.
O dia chegou
em grande azáfama, com os presidentes das grandes potências mundiais a marcar
presença no local, rodeados de um fortíssimo aparato de segurança. Havia quem
não gostasse de chamar-lhe "o dia", uma vez que a terra estava imersa
num escuro breu desde há quase 223 dias, mas para o caso pouco importa.
Os gordos
estavam tão concentrados e focados na sua missão, que nem repararam que tinham
rejeitado uns pratos de tripas com favas e uma francesinha de sobremesa.
Começaram a subir as torres, ajudados por uma grua que lhes poupava o esforço
dos pequenos músculos, tolhidos pela gordura que pendia flácida e luzidia de
tudo quanto era recanto e prega do coirato humano. Ao chegarem lá cima, olharam
concentrados para o X onde teriam de aterrar, sabendo que da precisão e pontaria
dependiam milhões de almas fotosintéticas.
A contagem
decrescente foi dada a nível mundial e todos a acompanhavam pela televisão,
como se da extracção da lotaria do Natal fosse.
Dez, nove,
oito, sete, seis, cinco, quatro, três, dois, um, e......atiraram-se no vazio em câmara lenta num movimento artístico que os fez cair todos no mesmo exacto segundo, enquanto a
assistência sustinha a respiração de ansiedade...
Puuuuumba!!!!
Um estrondo imenso abalou as estruturas mundiais, numa escala de richter
enormíssima e de tal maneira, que a Terra foi mesmo impulsionada para baixo e
o sol ganhou a sua posição lá no alto! Tal e qual como tinha previsto o
rapaz!!!
Assim como
desapareceu, assim recuperou o sol o seu lugar lá no cimo. Brilhava de novo tão
intenso e quente como se dali nunca tivesse saído.
Foram sete
dias de festejos e de folia, que devolveram a esta gente uma alegria e uma
jovialidade nunca antes sentida na Terra...
Assim se
fechava um período negro da história do planeta.
Assim os
homens demonstraram que basta unir-se para que o sol brilhe para todos...
Assim nos
unamos para que o bem comum aconteça...
Assim, seja...
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