segunda-feira, 25 de novembro de 2024

O sequestro de Natal

 


Era noite e era véspera da noite de Natal, como se noites a dobrar pudessem ser mais negras do que aquela própria noite foi. Todos dormiam enquanto a árvore de Natal piscava sem ninguém, e o candeeiro de rua projectava um redondo no chão iluminando de claridade o interior da casa.

O presépio ocupava quase uma parede inteira da sala, como sempre se fazia no tempo do avô. Um riacho de algodão, uma aldeia com coreto, uma igreja no topo da montanha, a banda a tocar para o Menino, e os pastorinhos em romaria para uma caverna de rochas e musgo, falsamente aquecida por uma lâmpada vermelha e casquilho murcho. Nem todo o presépio dormia, sendo que os Reis Magos faziam uma pausa para umas sandes e um copo de vinho, o padeiro limpava o forno, os músicos da banda ensaiavam umas melodias de embalar e o anjo da guarda entretinha-se a atirar setas de amor para os pastorinhos menos enamorados. Nenhum deles se tinha apercebido da movimentação dos soldadinhos de chumbo que viviam no quarto dos pais do Tomás, e que numa manobra de deslocação programada, tinham organizado um assalto ao presépio! Desceram da prateleira por cordas em rappel, tendo alguns mais trapalhões aterrado de sopetão no focinho do gato Isaías, que assustado fugiu para debaixo da cama. Camuflados com bocados de folhas de manjericão roubadas do canteiro da varanda, rumaram em silêncio pelo corredor que dava para a sala, aproveitando as estantes e os livros para se esconderem do que eles chamavam de “potencial inimigo”.

À entrada da sala, alinharam-se as Brigadas Vermelhas, o Exército Inglês da Somália, e ainda as tropas de Napoleão, em posição de espera a um lado e outro da porta, aguardando pela ordem da manobra de aproximação. Nesse momento de concentração apareceu o Isaías em fuga pelo corredor, com um pára-quedista da Brigada Aerotransportada Americana agarrado à cauda e que assim forçava uma corrida desesperada do felino. Ao grito de “Agora!”, todos os soldadinhos saltaram para o dorso do bicho conforme podiam, sendo que depois de alguns ziguezagues, e já na sala, saltaram no momento certo em que este rasou o presépio. Todos os figurantes do presépio entretanto já se tinham estatuificado, com medo que fossem os humanos a entrar na sala, enquanto o Isaías livre da sua carga de assalto inesperada deslizou, escondendo-se debaixo do sofá. Os minutos seguintes foram de ansiedade, mas nem uma mosca parecia zunir naquela cena de Hollywood, apenas interrompida pelo Pai Natal a pilhas que estava em cima do piano, e que com o vislumbre da tropa já em retirada, gritou aflito para os figurantes:

- “Atenção que eles vão ali a fugir!”

Os soldadinhos de chumbo corriam em formação militar, já de volta à prateleira de onde tinham saído e certamente orgulhosos do cumprimento da missão!

No presépio estavam todos à beira do retábulo: a Virgem Maria, o São José, os Reis Magos, o Anjo, o burrinho e a vaquinha, os músicos da banda, os pastores, as peixeiras, os padres, e todos os restantes pastorinhos pequenos, médios e grandes, numa algazarra de vozes em redor das palhinhas onde seria suposto estar o Menino. O Menino Jesus tinha sido sequestrado num abrir e fechar de olhos!

Que tragédia na véspera de Natal, logo quando o Tomás e os pais iam receber toda a família em casa!

Nesse momento, os três Reis Magos fizeram um ponto de ordem e exclamaram em uníssono:

- “Temos de salvar o Menino Jesus!”

De imediato sacaram um papiro e delinearam a estratégia de contra-ataque! Convocaram o batalhão de Estrumpfes do quarto do Tomás, os Playmobils do quarto dos brinquedos, e todos os peluches espalhados pela casa acorreram a ajudar.

O Menino Jesus estava atrapado numa zona de segurança, com os blindados e dois perímetros de guardas de chumbo. Um à entrada do quarto dos pais e outro a rodear a cómoda das jóias da mãe do Tomás. Mesmo assim, o imenso cortejo de figuras ia decidido a recuperar o Natal, pelo que foram muito silenciosamente em direcção ao quarto, liderados por Baltazar, Belchior e Gaspar. Assim que avistaram a primeira barreira, os peluches urso e rena lançaram uma bola de futebol que arrepiou caminho, levando pela frente um Batalhão das campanhas Napoleónicas e abriu uma brecha no inimigo. Aquele barulho fez com que o pai de Tomás acordasse e abrisse um olho, gelando e petrificando toda a massa de bonecos que parou imediatamente e ficou assim suspensa uns largos e eternos segundos, mas para grande alívio de todos virou-se e adormeceu com um doce suspiro.

De imediato, todos os peluches pequenos, os Playmobils e os Estrumpfes invadiram o quarto e bloquearam as movimentações dos soldadinhos de chumbo que corriam por todo o lado a tentar impedir aquela invasão inesperada.

Num abrir e fechar de olhos, o helicóptero da Lego carregado de pastorinhos fortes e espadaúdos largou-os atrás da linha do inimigo. De forma ágil e rápida salvaram o Menino Jesus e lançaram-no são e salvo para o colo do panda gigante que desatou a correr pelo quarto fora, sob o radiante júbilo dos Reis Magos.

O Menino Jesus tinha sido salvo e estava de novo nas palhinhas, desta vez com a adoração de todos os brinquedos que rejubilavam com a sua Graça! Já podiam assim dormir descansados!

Naquela manhã, quando Tomás e os pais acordaram e chegaram ao presépio, este estava carregado de prendas aos pés do Menino Jesus, nem imaginando o quanto acontece quando nem tudo é visto, como nessa noite. As prendas eram de luz, de afecto, de carinho, de salvação, de cuidado e amor ao próximo, como devem ser todas as dádivas deste mundo.  

Ninguém reparou que no presépio todos os pastorinhos estavam estáticos nas suas posições, colocados da maneira de sempre, nos locais de sempre como todos os Natais. Só que desta vez esboçavam um grande sorriso de felicidade nos lábios!

Assim se salvou um Natal Feliz!