Era
noite e era véspera da noite de Natal, como se noites a dobrar pudessem ser
mais negras do que aquela própria noite foi. Todos dormiam enquanto
a árvore de Natal piscava sem ninguém, e o candeeiro de rua projectava um
redondo no chão iluminando de claridade o interior da casa.
O
presépio ocupava quase uma parede inteira da sala, como sempre se fazia no
tempo do avô. Um riacho de algodão, uma aldeia com coreto, uma igreja no topo
da montanha, a banda a tocar para o Menino, e os pastorinhos em romaria para
uma caverna de rochas e musgo, falsamente aquecida por uma lâmpada vermelha e
casquilho murcho. Nem todo o presépio dormia, sendo que os Reis Magos faziam
uma pausa para umas sandes e um copo de vinho, o padeiro limpava o forno, os
músicos da banda ensaiavam umas melodias de embalar e o anjo da guarda
entretinha-se a atirar setas de amor para os pastorinhos menos enamorados.
Nenhum deles se tinha apercebido da movimentação dos soldadinhos de chumbo que
viviam no quarto dos pais do Tomás, e que numa manobra de deslocação programada,
tinham organizado um assalto ao presépio! Desceram da prateleira por cordas em rappel, tendo alguns mais trapalhões
aterrado de sopetão no focinho do gato Isaías, que assustado fugiu para debaixo
da cama. Camuflados com bocados de folhas de manjericão roubadas do canteiro da
varanda, rumaram em silêncio pelo corredor que dava para a sala, aproveitando
as estantes e os livros para se esconderem do que eles chamavam de “potencial
inimigo”.
À
entrada da sala, alinharam-se as Brigadas Vermelhas, o Exército Inglês da
Somália, e ainda as tropas de Napoleão, em posição de espera a um lado e outro
da porta, aguardando pela ordem da manobra de aproximação. Nesse momento de
concentração apareceu o Isaías em fuga pelo corredor, com um pára-quedista da
Brigada Aerotransportada Americana agarrado à cauda e que assim forçava uma
corrida desesperada do felino. Ao grito de “Agora!”, todos os soldadinhos
saltaram para o dorso do bicho conforme podiam, sendo que depois de alguns
ziguezagues, e já na sala, saltaram no momento certo em que este rasou o presépio.
Todos os figurantes do presépio entretanto já se tinham estatuificado, com medo
que fossem os humanos a entrar na sala, enquanto o Isaías livre da sua carga de
assalto inesperada deslizou, escondendo-se debaixo do sofá. Os minutos
seguintes foram de ansiedade, mas nem uma mosca parecia zunir naquela cena de
Hollywood, apenas interrompida pelo Pai Natal a pilhas que estava em cima do
piano, e que com o vislumbre da tropa já em retirada, gritou aflito para os
figurantes:
-
“Atenção que eles vão ali a fugir!”
Os
soldadinhos de chumbo corriam em formação militar, já de volta à prateleira de
onde tinham saído e certamente orgulhosos do cumprimento da missão!
No
presépio estavam todos à beira do retábulo: a Virgem Maria, o São José, os Reis
Magos, o Anjo, o burrinho e a vaquinha, os músicos da banda, os pastores, as
peixeiras, os padres, e todos os restantes pastorinhos pequenos, médios e
grandes, numa algazarra de vozes em redor das palhinhas onde seria suposto
estar o Menino. O Menino Jesus tinha sido sequestrado num abrir e fechar de
olhos!
Que
tragédia na véspera de Natal, logo quando o Tomás e os pais iam receber toda a
família em casa!
Nesse
momento, os três Reis Magos fizeram um ponto de ordem e exclamaram em uníssono:
-
“Temos de salvar o Menino Jesus!”
De
imediato sacaram um papiro e delinearam a estratégia de contra-ataque!
Convocaram o batalhão de Estrumpfes do quarto do Tomás, os Playmobils do quarto
dos brinquedos, e todos os peluches espalhados pela casa acorreram a ajudar.
O
Menino Jesus estava atrapado numa zona de segurança, com os blindados e dois
perímetros de guardas de chumbo. Um à entrada do quarto dos pais e outro a
rodear a cómoda das jóias da mãe do Tomás. Mesmo assim, o imenso cortejo de
figuras ia decidido a recuperar o Natal, pelo que foram muito silenciosamente
em direcção ao quarto, liderados por Baltazar, Belchior e Gaspar. Assim que
avistaram a primeira barreira, os peluches urso e rena lançaram uma bola de
futebol que arrepiou caminho, levando pela frente um Batalhão das campanhas
Napoleónicas e abriu uma brecha no inimigo. Aquele barulho fez com que o pai de
Tomás acordasse e abrisse um olho, gelando e petrificando toda a massa de
bonecos que parou imediatamente e ficou assim suspensa uns largos e eternos
segundos, mas para grande alívio de todos virou-se e adormeceu com um doce
suspiro.
De
imediato, todos os peluches pequenos, os Playmobils e os Estrumpfes invadiram o
quarto e bloquearam as movimentações dos soldadinhos de chumbo que corriam por
todo o lado a tentar impedir aquela invasão inesperada.
Num
abrir e fechar de olhos, o helicóptero da Lego carregado de pastorinhos fortes
e espadaúdos largou-os atrás da linha do inimigo. De forma ágil e rápida
salvaram o Menino Jesus e lançaram-no são e salvo para o colo do panda gigante
que desatou a correr pelo quarto fora, sob o radiante júbilo dos Reis Magos.
O
Menino Jesus tinha sido salvo e estava de novo nas palhinhas, desta vez com a
adoração de todos os brinquedos que rejubilavam com a sua Graça! Já podiam
assim dormir descansados!
Naquela
manhã, quando Tomás e os pais acordaram e chegaram ao presépio, este estava
carregado de prendas aos pés do Menino Jesus, nem imaginando o quanto acontece
quando nem tudo é visto, como nessa noite. As prendas eram de luz, de afecto,
de carinho, de salvação, de cuidado e amor ao próximo, como devem ser todas as
dádivas deste mundo.
Ninguém
reparou que no presépio todos os pastorinhos estavam estáticos nas suas
posições, colocados da maneira de sempre, nos locais de sempre como todos os
Natais. Só que desta vez esboçavam um grande sorriso de felicidade nos
lábios!
Assim
se salvou um Natal Feliz!