O programa abriu com as imagens da
agressão do musculado Rúben ao fininho Gualter, depois de este ter descoberto
que Andreia tinha comentado a investida de Jéssica ao namorado ocasional de
Rubina. Estas imagens foram repetidas em vários dos noticiários televisivos da
cadeia em questão, fazendo-se directos com os familiares dos envolvidos e
organizando-se painéis de comentadores de tal escândalo.
Assim vai o nosso país….
Nesta mancha de informação diária que nos bombardeia com o mau, o sofrível, e por vezes o
bom, revela-se constrangedor assistir a estes chamados “Reality Shows”. Não
consigo perceber como é possível tamanha aberração, e penso que deveria ser
objecto de sério estudo sócio-psico-antropológico!
Aqui há uns anos, eu próprio me
detinha a apreciar aquele laboratório humano do "Big Brother". Aquela
atracção de poder espiar e analisar as reacções de pessoas que aprendemos a
conhecer através da televisão.
Sem nunca ter tido contacto com elas,
todos podíamos tecer juízos de valor ou emitir comentários fundamentados acerca
de uma ou outra situação, como se fôssemos amigos de longa data.
Mas analisando retrospectivamente
este comportamento, realizo que me conforto na justificação da análise
psicológica como uma das razões para visualizar horas de directos e de pequenos
escândalos quotidianos, que fariam corar de vergonha qualquer poluto cidadão
deste mundo dito normal.
Mas até aqui tudo bem. A Malta
divertia-se a comentar as actividades mundanas como se de um zoológico se
tratasse, ou fazia de conta que estava a ver as cenas da vida selvagem…mas em
humanos! A novidade acabaria e tudo não passaria de uma experiência televisiva
de puro entretenimento. Enganámo-nos! Para além daquele, houve ainda um II, um
III, um IV, e ainda um de celebridades!! Só que no apuramento da espécie existe
sempre um refinamento e uma evolução, que neste caso se traduziu em séries cada
vez mais elaboradas e com mais regras, juntamente com concorrentes cada vez
mais rascas.
O modelo de sucesso foi
sucessivamente replicado, e os seus shares assentaram numa lógica de
paternalismo português (vou ver, para perceber como posso ajudar o próximo)
misturado com gosto mórbido de intrometimento (tudo a opinar sobre o que quer
que seja) e voyeurismo social (tentar perceber se a Cynthia abocanhou o Celso e
em que parte - do programa, claro...)
Estes são os verdadeiros motores das
audiências!
Personalidades narcísicas e
egocêntricas centradas no culto da admiração e da imagem, QIs limitados e
falhas no seu desenvolvimento base, pontapés livres na gramática e na sintaxe,
culminando com delírios de grandeza por aparecer em televisão: "Os
portugueses sabem oquiéqueeupenso!". Como se os reais portugueses se
importassem com o que a ralé portuguesa com tempo de antena pensa…
São horas e horas de entulho vazio de
conteúdo, empacotado em directos e em galas de horário nobre, com quilos de
silicone cobertos de lantejoulas, vestidos descapotáveis e dentes alinhados em
sorrisos perfeitos. Cada vez que sai um concorrente da gaiola dourada, é
aplaudido em pé com uma deferência e homenagem, que faria no mínimo corar de
vergonha qualquer Nobel deste mundo.
Louras turbinadas, machos insuflados,
tias queques, artistas em decadência, pessoas indeterminadas, bipolares que
ainda não o sabem, preenchem um espaço televisivo que até chega a abrir
noticiários. Se dizemos que isto é bom hoje, qual será o nosso referencial
amanhã...?
E é aqui que surge um outro
ingrediente na fórmula da questão: se estes contextos são projectados pela
televisão, ampliados pela imprensa escrita e pelo jornalismo de pacotilha,
desde logo são assumidos como relevantes e validados de "relevantes".
Será que uma imprensa credível, responsável e formativa se torna fidedigna de
tudo o resto que emana? Duvido, mas esta será segura matéria de análise numa
outra sessão da teoria do fole…
Não vou bater mais no ceguinho, ou
neste caso na cegueira das celebridades e da comunicação social. Por uma
questão muito simples: aqui falta o terceiro e mais importante elemento desta
tríade maquiavelicamente perturbada: o telespectador!
Atribuindo um desconto mediático aos
intervenientes mais directos desta equação, é enigmático pensar nas pessoas que
acompanham este tipo de programas televisivos. Assusta pensar quem são as
cabeças que assistem, compram revistas e pesquisam na net factos relacionados
com tudo o que gravita à volta disto. É perigoso para um país com este género
de programas que a sua população se entusiasme com tão pouco neurónio junto.
Devia haver um serviço público de cada uma das emissoras, que permitisse
sancionar qualquer tentativa de emergência de um reality-show. Até porque "reality"
nem sempre se coaduna com a palavra "show"...
Devíamos dar mais importância à saúde
mental em termos populacionais! Sabendo de antemão impossível que cada um de
nós tenha um psicólogo à cabeceira para nos demover da tentação degradante de
acompanhar estes bocados televisivos, seria essencial canalizar uma política de
controlo e validação desta grelha de programas. Este é um dos caminhos que
devemos seguir, e é este o tipo de orientação que queremos ensinar aos nossos
filhos para que lhes sirva de guia. Para que eles possam ser influenciados pelo
lado positivo das teorias do fole, não resvalando para a mediania e crescendo
de forma salutar.
Cabe-nos por isso colocar um travão à
disseminação em bola de neve de fenómenos como este, não só para protecção dos
intervenientes, mas também para resguardo das mentes que estão em
desenvolvimento. Sou a favor dos exemplos positivos de forma proactiva, porque
já bastam muitas vezes os desígnios infelizes que nos fazem experienciar o
menos bom de forma imprevista e não invocada.
Por isso, de cada vez que alguém
rondar a tentação de um reality-show,
podem fazer como eu faço com o meu filho: Sempre que vamos a algum lado, ele pergunta-me
se há lá alguém do seu tamanho para poder brincar. Se eventualmente alguém quiser
entrar num programa desses respondam-lhes como eu num tom irónico:
- Não filho. Ali não há ninguém do nosso tamanho...
Dêmos meia-volta e volvamos!
Um abc