Pessoas assim ficam na memória e no coração. Por isso nunca serão nome de rua, nem de praça, nem sequer constarão nos livros. O coração apaga rápido aquilo que mais ama e só se imortaliza na lápide. Uma frase, um poema, um pensamento, um acto, resumem uma vida cheia de mudos sorrisos.
Era assim que o conheciam e
era assim que se sabia a fazer o melhor.
Nascera naquela aldeia perdida
em nenhures, rodeada de fronteiras naturais que isolam as pessoas e atrasam
tudo o que se manda e tudo o que se recebe. Sem saber ler nem escrever, sabia
mais que os outros que o sabiam, e por este dom era reconhecido, mesmo além daquelas linhas mudas.
Irradiava uma luz e alegria tão serenas, que naturalmente contagiava. Tinha sempre uma
palavra, um apreço e um toque de alma aos
outros, devolvido em francos e abertos sorrisos.
Por isto lhe chamavam o
"Arranca-Sorrisos"!
Ninguém estava nunca triste, porque os sorrisos eram
espontaneamente despoletados e contagiavam-se uns aos outros.
Uma flor oferecida a um coração partido, sacava um sorriso simples. Uma vénia com a cabeça até ao chão dava direito a um sorriso
surpreso. E um nariz vermelho com cabeleira roxa, resultava em
sorriso-gargalhada na certa.
Vivia assim o seu dia-a-dia
pela aldeia, arrancando sorrisos aqui e acolá,
tornando a aldeia na mais feliz do mundo.
Como se isto de felicidade
fosse coisa eterna, porque ninguém é feliz sempre. Se a felicidade fosse residente, como lhe
saberíamos dar valor?
O meu primo José contou-me uma vez, que já
tinha sido feliz na França, onde conhecera uma corista
de alto gabarito que lhe trouxe tanta felicidade quanto a conta bancária que a ladra lhe mangou. Por isso anda agora a pedir
esmola pela aldeia, vendendo teorias do fole a quem compra, confortando-se com
"Arranca-Sorrisos" aqui e acolá, quando ele aparece.
Uma vez houve, que até uma reportagem fizeram do "Arranca-Sorrisos"! Um
homem alto, bem-parecido, chapéu sempre pronto a levantar-se
num cumprimento, sorria ele próprio sempre.
-bom dia menina Teresa! Já vi que os seus olhos hoje reluzem como estrelas
cintilantes!
E logo sacava o primeiro
sorriso incontido da manhã.
-boa tarde Dona Júlia! Dizia, sacando uma rosa do casaco para a presentear e
um rasgado sorriso acatar.
A sua jorna deixava um rasto
brilhante de boa disposição e contentamento tal, que
nunca se via ninguém ao fim do dia sem um sorriso
nos lábios.
Num desses dias de sempre, e
no acaso de virar uma qualquer esquina, encontrou uma menina que chorava
desalmadamente - se é que as almas se conseguem
alguma vez desalmar..- sendo que prontamente sacou de um peluche e o estendeu
no seu colo fazendo uma careta alegre.
Mas para surpresa do
"Arranca-Sorrisos", a menina continuou a chorar e nada a fazia parar.
Assustado, correu e embateu num rapaz que suspirava e choramingava por uma bola
de gelado que se tinha despenhado do seu cone em plena avenida central.
Ainda
fez uma pirueta a ver se arrancava um sorriso, mas os olhos do rapaz fitavam a
bola de baunilha que se esparramava lentamente.
Olhou mais à frente e reparou que um homem de gabardina escura, ar
soturno e fácies cinzento, chorava em silêncio. Caminhava pesaroso, e ao mesmo tempo que se cruzava
com outros transeuntes, fazia com que estes chorassem em bica deixando um rasto
de tristeza e choro convulsivo.
Ali estava o trilho de
infelicidade que tinha vindo da outra aldeia da província. Conheciam-no como o "Arranca-Choro", e não havia quem conseguisse estancar tamanha fatalidade.
Nunca tinha visto ninguém assim desde a última enchente de lágrimas que inundou o vale dos jasmins!
Aproximou-se lentamente para
falar com essa estranha personagem, mas com o cuidado de nunca aos olhos lhe
olhar. Se é que é possível falar com alguém sem aos olhos a olhar...
Enquanto deslizava pé ante pé, resvalou numa casca de
banana, os pés ergueram-se mais que a cabeça, e catrapús de glúteos no chão. O cenário foi tão ridículo, que "Arranca-Choros" olhou e até um ligeiro esgar de sorriso esboçou, o que muito surpreendeu "Arranca-Sorrisos".
Levantou-se num ápice, e desta feita saltou de propósito para cima da casca de banana dando mais três voltaretas até se estatelar no chão.
"Arranca-Choros"
desbloqueou um grande sorriso, e a sua mímica era de descontracção e relaxamento.
Percebendo o clique da sua antítese, começou a fazer tanta palhaçada, tanta palhaçada, que ao cabo de uns quinze
minutos estavam os dois a rebolar de rir às gargalhadas.
Aquele coração de pedra tinha sido conquistado pela alegria dos
sorrisos. Aquele sorumbático homem tinha ganho asas no
deleite do riso!
Abraçaram-se os dois de uma maneia tão intensa, que "Arranca-choros" nunca mais
chorou. Nunca mais soube o que é a infelicidade, nunca mais se
amargurou, nunca mais viu a vida com um filtro de cinzento. Do mal tinha
surgido o bem.
Desde esse então a aldeia passou a contar, não
com um, mas sim com dois "Arranca-Sorrisos", que iluminavam as faces
e os corações dos seus habitantes.
Nunca se soube se neste sítio
correram lágrimas alimentando os rios,
mas também nunca mais se ouviram
choros, tristezas ou lamúrias.
Assim é o poder do Sorriso...