A distância é muitas vezes dolorosa e sofredora. Quando nos afastamos e sentimos a falta, nada nos é indiferente. Mas neste caso a distância é apenas física e temporária, sabe-se que terá um principio, meio e já estamos no fim.
Neste longo período arrastado, houve bons e maus momentos convividos, bastas vezes em segredo e em ruidoso mutismo, que contido, ao mesmo tempo tinha de ser gerido em prol de um espírito de grupo, de exemplos dados, e de uma tolerância capaz de conter muitas vezes as tendências aos excesso e aos desabafos extremistas.
A disponibilidade total, a pressão diária de uma rotina de lugares, de pessoas, de situações vulgares e comuns, tornam-se num desgaste à nossa existência. É inimaginável durante cento e vinte dias, todos os dias da semana, vinte e quatro horas por dia, ter de aguentar um ritmo cadente de problemas, situações, relações e muitos arrelios simplórios de reles alminhas, com uma disponibilidade permanente.
A juntar a tudo isto, há as suadas comidas picantes da messe, as ameaças de rockets que nos empurram para os abrigos, as sirenes que nos fazem refugiar aos bunkers, os estropiados que nos chegam sem remédio, as crianças com os cognomes de “danos colaterais”, os atentados que muitas vezes explodem à nossa porta, o olhar vazio e em procura de respostas dos feridos em combate, as impossibilidades de tratamento e impotência médica, a asfixia do claustrofobismo do campo, a distância dos nossos e sua presença constante em nossas lembranças, os uniformes que nos padronizam os estereótipos desgastantes, as rajadas de metralhadora durante a noite que não sabemos de onde vêm e se em nós acabam, os múltiplos estrondos que nos aceleram o coração, a companhia permanente da pistola que nos relembra a nossa primitiva condição, as tempestades de areia que nos nublam a vista, as horas e os dias que se nos transformam em pesadelos de tempo, enfim...
Curiosamente, estes meses serviram de prova de resistência, de tolerância, de demonstração interior de capacidades superiores escondidas, de novas realidades cinematográficas, da valorização de pequenas gigantes coisas, da descoberta de novas competências e novas aptidões, do aperfeiçoamento dessa virtude que é a adaptação ao que não é por escolha nosso.
Qualquer experiência tem os seus pontos que nos fortalecem e nos engrandecem a alma, por muito negativa na sua essência que ela seja. Mesmo na guerra tiramos partido daquilo que é positivo: a camaradagem, a partilha do desconhecido, a nossa camaleónica versatilidade, a tentativa de adaptação saudável ao meio adverso, os mecanismos de compensação inventados, tudo serve para amenizar aquilo que nos está distante e fora de controlo. Ao mesmo tempo, as outras partes tambem crescem, tambem se adaptam à nossa ausência, tambem se independentizam como pessoas e ganham novos reforços positivos do seu “Eu”. Estes novelos físicos que se desenrolam pela distância, voltam-se a enredilhar num aperto mais forte pelo reencontro.
Mas sobretudo a experiência desse sentimento que é nossa pertença na palavra e universal na emoção, que é a saudade. Não se consegue transmitir a emoção de comer bacalhau neste fim de mundo, de sorver um belo copo de tinto, de degustar uma feijoada, uma francesinha, um até real bitoque no nosso aniversário, como se fosse a maior das iguarias gastronómicas. Receber os mimos da família, em géneros e pequenas lembranças que nos fazem voar e flutuar de alegria, os desenhos dos meninos, o vinho escolhido com os chouriços e paios, dão para fazer uma festa e chorar por mais!
Agora tudo isto chegou ao fim, o mau e o menos mau, indo dar lugar ao regresso a tudo aquilo que aos meus olhos é bom: voltar!
Até já.
Mas a teoria do fole continua!